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Conde de Monte Real

O retrato de um grande nome do nosso automobilismo. Dos automóveis aos aviões, passando pelas duas rodas, um exemplo de um sofisticado e competitivo "sportsman" português.

Texto escrito por José Correia Guedes

“Também o Conde de Monte Real (Jorge de Melo e Faro), vinha até Salvaterra, usando além do carro, este pequeno aparelho, que tinha como base de aterragem o terreno da Amieira, estando logo à sua espera o empregado Rui Cordeiro, que o trazia até ao seu Palacete. O rapazio, ao vê-lo voltear pelos ares, logo gritava: ‘Olha, o avião do Conde!…..’ e numa correria, que durava uns bons minutos, lá se juntava um pequeno grupo vendo aquela novidade. Um dia o Conde, convidou alguns rapazes a dar uma volta com ele. Muitos fugiram com receio, outros a medo esperaram, e o primeiro lá foi. Cá debaixo, era bonito, maravilhoso mesmo, ver a avioneta subir e descer lá para os lados do Tejo…” – José Gameiro, História de Salvaterra

Era assim Jorge Cardoso Pereira da Silva de Melo e Faro, também conhecido como Conde de Monte Real, título outorgado em 1907 pelo Rei D. Carlos a seu pai, Artur Porto de Melo e Faro, ele próprio um grande entusiasta dos automóveis, que chegaria a ser Presidente do Automóvel Clube de Portugal. Nascido em 1916 e desde logo senhor de uma fortuna considerável que o libertava de qualquer preocupação de ordem financeira, Jorge Melo e Faro cedo começou a interessar-se por toda a espécie de veículos com motor, em especial os automóveis e aviões que marcavam a grande revolução tecnológica dos primórdios do século XX. Mais tarde viria também a interessar-se por barcos a motor e chegou mesmo a patrocinar a construção de uma espécie de jet-ski, um curioso artefacto marinho que fazia as delícias dos veraneantes das praias de Cascais quando a sua própria filha evoluía sobre as ondas aos comandos do estranho veículo.
Mas falemos então de aviões. Para começar diga-se que o Conde de Monte Real deixou o seu nome fortemente ligado à aviação civil portuguesa, desde logo por ter sido um dos primeiros pilotos civis a serem “brevetados” no nosso país (brevet nº 29) mas também por ter dado uma contribuição decisiva para a construção do actual Aeródromo Municipal de Cascais (Tires), outrora denominado Campo de Turismo Conde de Monte Real.

Fotos: Centro de Documentação do ACP e família Monte Real

A história deste aeródromo merece ser contada. Até 1964 não existia em toda a região de Lisboa um único aeroporto destinado à aviação ligeira. O Aero Clube de Portugal formava pilotos há muitos anos mas tinha que utilizar campos de aviação improvisados ou então recorria aos serviços da Base Aérea nº 1 situada na Granja do Marquês, Sintra. Porém, sendo esta uma base de instrução da Força Aérea por vezes existiam constrangimentos que limitavam a operação dos aviões civis. Havia que fazer alguma coisa. Foi assim que entrou em cena o Conde de Monte Real. Apaixonado pela aviação em geral, ele próprio piloto e possuidor de aviões, decidiu utilizar todos os seus conhecimentos a nível privado e político para resolver o problema. Depois de uma busca relativamente breve encontrou um terreno de grandes dimensões na zona de Tires, Cascais, que parecia ter condições excelentes para a construção de uma pista de aviação com todas as estruturas aeronáuticas inerentes. Havia porém um problema: o terreno estava localizado numa área protegida que impedia o seu proprietário, um cidadão belga, de ali realizar qualquer espécie de construção, facto que em muito diminuía o seu valor por metro quadrado. Uma vez de posse de toda a informação sobre esta propriedade o Conde usou toda a sua influência junto de ministros, secretários de Estado, directores gerais, etc, de forma a que uma parte do referido terreno pudesse ser urbanizada tornando assim possível o nascimento daquilo que mais tarde viria a ser conhecido como Bairro do Conde de Monte Real. Em reconhecimento o proprietário cedeu gratuitamente o restante para a instalação do aeródromo tornando assim possível a concretização do sonho dos aviadores civis portugueses em geral e do Aero Clube de Portugal em particular, instituição de que mais tarde o Conde seria feito Presidente Honorário. Entende-se bem por quê.

De menor importância será o facto, já referido no início deste texto, de Jorge Melo e Faro ter sido um dos poucos cidadãos portugueses da época com capacidade para adquirir os seus próprio aviões e por ter mandado construir um campo de pouso na sua propriedade do Ribatejo onde passou a existir também um pequeno hangar. Foi proprietário de um Piper Cherokee 180 de turismo (CS-ALO) e de um Zlin de acrobacia (CS-ALU), o primeiro dos quais esteve presente na inauguração do aeródromo com o seu nome. Terá adquirido também um motoplanador (CS-ALI) que cedia regularmente ao Aero Clube para formação de pilotos.
Foram, no entanto, os automóveis a grande paixão da sua vida. Será no ano de 1935 que o nome de Jorge Monte Real, então com apenas 19 anos de idade, começa a surgir com regularidade no panorama do automobilismo nacional e quase sempre pelas melhores razões. De facto, não foi preciso esperar muito para se perceber que o jovem piloto de Lisboa não era apenas mais um aristocrata rico em busca de divertimento numa altura em que a esmagadora maioria dos praticantes desta nova modalidade provinha quase exclusivamente das camadas superiores da sociedade portuguesa, aristocracia ou alta burguesia. Este era um desporto caro, quer pelo preço dos automóveis de competição quer pelos custos elevados da preparação e manutenção dos mesmos, circunstância que provocava uma espécie de selecção natural e reduzia a um pequeno grupo de amigos a lista de inscritos nas diversas provas que então se realizavam. Mas voltemos a Jorge Monte Real, como passou a ser conhecido no meio automobilístico e não só, e à sua entrada “de rompante” no pequeno meio automobilístico nacional.