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Não chorem pelo Autosport

O Autosport lançou há dias a sua última edição impressa. Muitos, mesmo os que não compravam, criticaram. Outros disseram que o tempo do papel acabou. Estavam todos errados.

A nostalgia é um sentimento que eu compreendo. É legítimo. Eu também já tenho saudades do Autosport em papel. Mas tenho porque já tinha deixado de o comprar há muitos anos.

Não me interpretem mal! Gosto da marca Autosport, do que ela representa e faz parte da minha vida, mas sejamos realistas… eram já raras as pessoas que compravam regularmente o Autosport em papel e a razão é sobretudo uma: no mundo do digital e do imediato, o papel não combina com actualidade. Por isso, esta foi a decisão certa. O digital é o lugar certo para uma publicação como esta.

As notícias querem-se frescas. Todos queremos ser os primeiros a saber, assim que uma corrida acaba, assim que um boato nasce. Se a notícia ainda não saiu, fazemos F5 meia dúzia de vezes e ela aí está!

Para sermos os primeiros a saber, não compramos o Autosport. Subscrevemos o Autosport.pt. E, por essa ordem de ideias, o Autosport terá, muito provavelmente, uma longa vida.

NÃO É PRECISO CHORAR, MAS…

O Autosport escolheu escrever na sua última capa “Rumo ao futuro”, não percebendo, talvez, que abandonar o papel nada tem de futurista. A publicação é a mesma, com todas as virtudes e defeitos e os riscos permanecem os mesmos.

É que o Autosport não perdeu adeptos só na era da internet. Perdeu-os também a partir do momento em que, por estratégia ou por falta de meios, começou a dar mais espaço ao panorama internacional – em particular a F1 – do que às provas nacionais.

Num ambiente global como é o da internet e sendo os portugueses tão hábeis poliglotas, o Autosport concorre agora com inúmeros e prestigiados meios internacionais, a menos que se vire para dentro do país e preste um serviço mais completo e detalhado ao automobilismo nacional e aos seus praticantes. Aí, poderá reinar.

E PORQUE NÃO… MAIS PAPEL?

Houve uma época em que retomei a compra regular do Autosport. Foi aquela em que, de jornal, passou a revista. Os temas eram tratados com mais profundidade e havia uma interessantíssima componente histórica, alimentada pelo imenso arquivo dessa publicação (que é, afinal, o seu maior património). Isso sim, um bom complemento do jornal digital e uma fonte de rendimento.

A fórmula não é nova: é essencialmente tirar inspiração do modelo da revista inglesa Motorsport, e adaptar a ideia a conteúdos fundamentalmente nacionais.

É QUE O PAPEL NÃO ESTÁ MESMO MORTO, NEM SEQUER DOENTE!

Houve quem cantasse celebremente “Video killed the radio star” e, no entanto, todos podemos ver a boa saúde do eterno rádio, complementado pelas suas novas formas de vida, os podcasts. Até ainda há relatos de futebol, quem diria?

O caso do “digital vs papel” não é muito diferente. Sim, o digital com toda a sua comodidade, rapidez e alguma gratuitidade, vem tornar redundantes algumas publicações mas, ao mesmo tempo, vem sublinhar a importância de outras.

As histórias profundas, detalhadas, bem sustentadas em investigação e escritas com atenção ao detalhe, são necessariamente longas e, por isso, impossíveis de ler num ecrã. Quer pelo cansaço que isso significa quer pelas distracções que o próprio ecrã nos traz.

As boas histórias são trabalhos para degustar e arquivar. Servem para consulta hoje ou daqui a 20 anos.

Ler uma revista de qualidade é como ler um livro. É uma experiência envolvente que nos permite precisamente “desligar” do frenético mundo digital.

Nada substitui o ritual de abrir a embalagem, sentir o cheiro do papel impresso, ver fotos num suporte de qualidade e chegar ao fim com a clara noção de que se leu detalhes que um pobre autor de artigos digitais, nunca teria tempo de investigar e descobrir.

Motorsport, Octane, Magneto, Road Rat, Tazio, Automobilsport, são títulos que nos provam que tudo depende da fórmula certa. Menos frequência, mais qualidade e conteúdos perenes, são a resposta para a indústria do papel. E a prova disso é que continuam a surgir novas publicações assentes nesta mesma fórmula, feitas por pessoas que já nasceram num mundo digital.

O mundo mudou, o público mudou, mas a verdadeira leitura, a do papel, existirá sempre. “O papel está morto. Viva o papel.”