30 anos em 2025: os "novos antigos”
Alguém vai dizer que estes modelos “já são clássicos”, mas estarão a dizer um disparate. Não é a idade que define um clássico, mas sim as suas características mais subjectivas como o significado histórico, a relevância do design, o impacto tecnológico, a história do desenvolvimento, etc.
Já o estatuto de histórico ou de veículo antigo, de acordo com as regras convencionadas pela FIVA - e que são as que orientam a UNESCO, os governos e outras instituições -, esse só é alcançável a partir dos 30 anos.
Assim, ao cumprir essa idade, um exemplar passa a poder usufruir de alguns direitos especiais. Em Portugal, um veículo com certificação de interesse histórico, atribuída por qualquer uma das entidades (CPAA, ACP Clássicos ou Museu do Caramulo), pode circular livremente nas zonas de emissões reduzidas, fica isento de inspecções periódicas e do pagamento de IUC.
Fiat Barchetta
Aqui está um modelo que nasceu clássico, mas que só agora tem idade para obter o estatuto de interesse histórico.
O Barchetta marcou a sua época pelo design. A inspiração é histórica pois, como o nome assume, o seu perfil tem origem nas linhas criadas pela Touring para o Ferrari 166 MM. Contudo, ao contrário de outros casos, a marca não se deixou embevecer pelo estilo retro e o resultado final é moderno e até vanguardista, mas enquadrado no cânone estético dos roadster do passado.
O desenho é cheio de detalhes deliciosos, como os faróis carenados, os pequenos farolins, a cobertura rígida da capota e os brilhantes puxadores de porta, autênticas peças de joalharia.
Nascido no Centro Stile, o traço original é da responsabilidade de Andrea Zapatinas, mas ao longo do projecto intervieram Mario Maioli, Nevio Di Giusto, Chris Bangle e Ermano Cressoni.
Tanto na época do seu lançamento, como 30 anos depois, o Barchetta é vítima do preconceito, sendo preterido face a modelos similares por ter transmissão às rodas dianteiras. Quem perde, é quem pensa dessa forma, pois está a deixar passar a oportunidade de comprar um desportivo com um comportamento dinâmico de referência.
Apesar de ser um modelo de tracção, o Barchetta talvez só seja superado em prazer de condução pelos MX-5 e MR2. A ideia de que é “um Punto descapotável”, é repetida pelos detractores que não experimentaram ou não querem gostar do modelo pois, na verdade, apesar da plataforma ser partilhada com o utilitário da Fiat, toda a suspensão e afinação, são específicas do modelo.
O motor 1.8 de 130cv, partilhado com o Punto HGT, é bem espevitado e robusto e suficiente para explorar o chassis. A direcção é bastante directa, as reacções previsíveis e, apesar de tudo, é um automóvel confortável. A construção era feita nas linhas da Carrozerie Maggiora (à excepção da última série), com uma atenção ao detalhe que não existia noutros modelos da Fiat.
Um exemplar da primeira série, com as peculiares jantes de ferro, especialmente numa cor como o laranja de lançamento, é algo que fica bem em qualquer garagem.
BMW Z3
É um dos roadster preferidos dos portugueses e o sucesso de vendas prova-o. Ao contrário do Barchetta, tem transmissão clássica e um comportamento que deixa a desejar. Mas isso pouco importa, se soubermos apreciá-lo por aquilo que é: o Z3 não é um verdadeiro desportivo, mas sim um roadster com características de GT: confortável, civilizado e com uma mecânica pacata, mas robusta.
A plataforma do Z3 é a do Série 3, com suspensão McPherson do E36 na dianteira, mas mantendo a solução de braços oscilantes do E30 na traseira. É razoavelmente competente, mas a falta de rigidez do chassis não lhe permite grandes veleidades.
O desenho é da autoria do japonês Joji Nagashima, que foi também o principal responsável pelas linhas do Série 5 E39 e dos BMW E90/E92, todos eles, de estilo consensual.
O Z3 tem um traço marcadamente “retro”, que não envelheceu tão bem como o de alguns concorrentes, como é o caso do Mercedes-Benz SLK. Curiosamente, será um dos poucos modelos em que o facelift é mais bem conseguido do que a versão original, graças a uma secção traseira mais musculada e elegante, mas essas formas só surgiram em 1999.
Na criação das linhas do Z3, Nagashima assumiu a influência do BMW 507, o elegante e exclusivo roadster dos anos 50.
Em 1995 o Z3 estava disponível apenas com as motorizações M43 1.8 de 118cv e M44 1.9 de 136cv, respectivamente. A partir de 1997 chegaram as motorizações de seis cilindros de 2.8 e mais tarde de 2.5 e 2.3 litros, cuja suavidade e binário tornaram a experiência mais nobre.
A versão mais especial, não usava o nome Z3: chamava-se M Roadster e estava equipado com o motor do M3 E36 e depois do M3 E46, o que o tornava uma espécie de “hot rod”. O chassis era incapaz de lidar devidamente com os mais de 300cv, mesmo na posterior versão coupé, mas era uma máquina emotiva.
Alfa Romeo 145
Sim, o 146 surgiu em simultâneo, mas é difícil argumentar a favor dele. Aliás, muitos dirão que é difícil argumentar a favor de qualquer Alfa Romeo desta época em que a marca tinha uma personalidade algo indefinida, mas olhe bem para o 145, sem preconceito. Não há nada parecido...
Após anos a tentar convencer o mundo de que o 33 podia ser um automóvel familiar como qualquer outro, a marca precisava de algo refrescante e conseguiu isso, ou quase, com as linhas de Chris Bangle. A enorme superfície vidrada, os pilares “ocultos”, o “vinco” no centro do portão traseiro, o recorte da janela junto ao espelho, a frente afilada, são toques de genialidade e provam que nem só a mais consensual era de Walter da Silva fica para a história.
A vida a bordo representava talvez o maior salto de qualidade face ao 33. Um desenho muito recto, mas muito funcional, com uma posição de condução sem os habituais “vícios” italianos e um espaço interior vasto.
Por baixo da pele estavam ainda os velhos motores boxer, com muito carácter, mas talvez sem o refinamento que seria necessário para singrar comercialmente em larga escala, tendo em conta que pretendia ser um automóvel prático de uso diário.
Só os verdadeiros “alfisti” estavam dispostos a viver com as vibrações e idiossincrasias de um motor tão teimosamente diferente. Hoje, arriscaria dizer que, só por isso, talvez sejam essas as motorizações a procurar, em particular o 1.7 16V de 130cv. Mas mais tarde chegariam os mais convencionais Twin Spark com abertura variável de válvulas, robustos, modernos, mais civilizados, ainda que igualmente vorazes. Na sua melhor versão, o 2.0 apresentado em 1998, chegaria aos 155cv.
O 145 nasceu numa época de contenção e economia de escala e, por isso mesmo, partilhava com outros produtos do grupo a plataforma do Fiat Tipo. Isso não é ponto negativo, pelo contrário. Com o setup específico do modelo, foi possível dar-lhe, sobretudo nas versões mais especiais, a atitude desportiva que se espera de um modelo Alfa Romeo, com uma frente incisiva e uma traseira muito ágil.
Alfa Romeo 916 GTV e Spider
Se o Alfa Romeo anterior não o convence, talvez este seja suficiente. É um dos mais geniais desenhos da Alfa Romeo na era Fiat. Falo em particular do GTV, porque o Spider, apesar de belo, foi uma derivação e, diga-se de passagem, nunca deveria ter-se chamado Spider, se os responsáveis do marketing tivessem mais respeito pela linhagem da marca.
O notável desenho da série 916 é da autoria de Enrico Fumia, que viu neste projecto hipótese de reciclar e aprimorar o essencial das linhas que criou para o concept Audi Quartz. O discípulo de Mario Revelli di Beaumont e ex-funcionário da Pininfarina e Bertone, criou um coupé com uma radical linha de cintura inclinada que marca todo o desenho e cria uma imagem dinâmica, mesmo quando parado.
Os detalhes da carroçaria seriam já executados por uma equipa liderada por Walter da Silva, que foi também responsável pelo desenho do funcional habitáculo. Com apenas dois ligeiros restyling, estas formas duraram quase dez anos no mercado e, honestamente, permanecem perfeitamente actuais.
À semelhança do 145/146, assenta na plataforma Fiat “Tipo Due”, mas com uma diferença fundamental, que é a adopção do sistema multilink na traseira. O comportamento dinâmico foi elogiado no seu tempo, mas o peso relativamente elevado, nunca permitiu que o modelo fosse visto como mais do que um mini-GT e é assim que deve ser encarado. Nessa perspectiva, é competente e confortável e conta com motores robustos, desde o 1.8 de quatro cilindros e o 2.0 Twin Spark, até aos melódicos e potentes V6 “Busso”, nas versões 2.0 Turbo ou 3.0 de 12 e 24 válvulas e, mais tarde, o 3.2 24v.
É um dos poucos Alfa Romeo emblemáticos e especiais que ainda podem ser adquiridos por valores razoáveis.
MG F
Mais um roadster que chega agora aos 30 anos. Não é coincidência, mas antes consequência do “fenómeno MX-5” que, ao chegar com estrondo em 1989, fez com que todos os construtores percebessem que havia um mercado pleno de oportunidades no segmento dos pequenos desportivos, fossem eles roadster ou coupé.
E este não foi apenas mais um: a MG era por excelência a grande produtora de roadster nos anos 60 e 70. O grupo Rover, ao ver a oportunidade de ressurgimento do sector, “pôs as fichas todas” e criou a primeira plataforma exclusiva da MG em décadas. No entanto, surpreendentemente para uma marca inglesa, não seguiu o caminho convencional e apostou num modelo de motor central.
Em parte, há que valorizar o arrojo, por outro lado, talvez tenha sido uma forma de complicar desnecessariamente, quando a Mazda já tinha provado que não era preciso reinventar a roda para criar um produto actual e desejável.
A outra complicação desnecessária do MG F era o recurso à suspensão Hydragas, cujas virtudes técnicas nunca superaram os inconvenientes e, se dúvidas houvesse, teriam ficado dissipadas quando o próprio MG F abandonou o sistema a favor de uma suspensão convencional e o comportamento dinâmico melhorou consideravelmente.
Além da estética interessante, ainda que algo “feminina”, o outro trunfo do MG F era o motor Série K, que em posição central se fazia ouvir ainda melhor, revelando o seu carácter nervoso e a sua disponibilidade. É um motor entusiasmante, especialmente nas versões com abertura variável de válvulas.
Contudo, os Série K sofriam com o célebre problema das juntas da culassa de fraca qualidade e, num MG F, era particularmente difícil de executar o trabalho de substituição, o que tornava assustadora a perspectiva de manter um destes carros.
Hoje há soluções praticamente definitivas para o problema e ainda há MG F “ao preço da chuva”, pelo que talvez valha a pena aproveitar os benefícios de uma certificação e procurar um exemplar com os tais 30 anos.
“Menções honrosas”
Dos muitos mais modelos a festejar 30 anos em 2025, apenas três merecem ser mencionados pela sua relevância, mas não espere arrepios de emoção...
Honda CR-V
Não estava à espera desta, pois não? A verdade é que o CR-V é um modelo que passou quase despercebido no seu tempo, mas que foi muito relevante por ter sido, provavelmente, um dos dois primeiros SUV Crossover da história. Este segmento hoje tão em voga, estreou-se com o Toyota RAV 4, meses antes.
Por definição, um Crossover é um SUV com chassis unitário, com um mínimo de apetências para rodar fora de estrada, mas com uma dinâmica e uma economia mais próximas de um automóvel ou uma station.
O Honda talvez não tivesse o encanto e a agilidade do rival da Toyota, mas era mais versátil e económico, provando a validade do conceito.
Honda Civic Mk6 (EK)
Os Honda Civic dos anos 90 são um fenómeno de popularidade, por razões válidas, outras nem tanto. O que importa é que há mais uma geração do modelo a entrar na lista dos elegíveis para o estatuto de veículo antigo.
Nesta geração, a estética pode ser menos sedutora e carismática do que na anterior, mas os argumentos mantêm-se: materiais simples e robustos, manutenção baixa com motores indestrutíveis e com potências específicas elevadas.
Como sempre, será difícil encontrar exemplares das versões mais “espevitadas” em bom estado, porque há toda uma geração para quem este modelo significou a porta de entrada em aventuras radicais a preços imbatíveis.
Mercedes-Benz Classe E W210
Certo. Concordamos que este não será dos mais belos Classe E.Esta geração marcou uma certa viragem na linguagem estética da marca, que durou alguns anos. Apesar da mudança radical, ainda era Bruno Sacco que estava aos comandos do design da Mercedes-Benz, mas a execução do W210 é atribuída a Steve Mattin.
O W210 tem a virtude de ter introduzido uma multiplicidade de motorizações interessantes. Pela primeira vez foram usados motores diesel que não pareciam saídos de um barco. Os diesel “common rail” vieram trazer outro nível de performance e suavidade de utilização, sem perder demasiada fiabilidade.
Chegaram também os motores de compressor volumétrico, os V6, os e os brutais V8.
Espaço é o que não falta a bordo desta geração do Classe E, sobretudo na imensa Station, que dá ares de carro funerário, mas que oferece uma volumetria de carga imbatível. Além disso, é um modelo que esbanja conforto, mantendo muita da qualidade de construção dos modelos dos anos 80.