Grandes inovações: tracção integral permanente
Fotos: Lowman Museum, Iconic Auctioneers, Bonhams, Volkswagen, Audi
O primeiro automóvel de estrada com transmissão integral foi o holandês Spyker 60HP de 1903, um exemplar único.
Na verdade, esta não era a única inovação do espectacular automóvel holandês, pois foi também o primeiro automóvel do mundo com travões às quatro rodas e a usar um motor de seis cilindros que, como a designação anuncia, debitava uns incríveis 60cv.
Estas inovações são atribuídas ao então jovem engenheiro belga Joseph Valentin Laviolette.
O modelo foi uma encomenda de Jacobus Spijker, a pensar na participação na competição Paris-Madrid de 1903. Infelizmente, não ficou pronto a tempo e, talvez por isso não pode evidenciar as vantagens do sistema.
Depois de ter sido mal restaurado na década de 1920, e após a falência da empresa, o Spyker foi comprado por um ex-director.
De 1953 a 1993, o automóvel, que agora tinha uma carroceria extensamente modificada, foi abrigado em vários museus holandeses até ser adquirido pelo Museu Louwman.
Foi então restaurado ao longo de um período de cinco anos de volta à condição original, conforme foi exibido no Crystal Palace em 1904.
Em 1966, o Jensen FF seria o primeiro automóvel produzido em série, e para uso em estrada, a usar a transmissão integral permanente, mas com um sistema mecânico pesado, dispendioso e pouco fiável. Foram produzidas pouco mais de 300 unidades.
Na realidade, a Jensen testou o sistema num exemplar único do CV8, com a mesma mecânica que seria usada no FF, que era baseado no mais moderno Interceptor.
São as duas grelhas laterais que permitem mais facilmente distinguir um FF de um mais comum Interceptor.
O FF era movido por um V8 6.3 da Chrysler, com a respectiva caixa automática Torqueflite de três velocidades, associada a uma grande e complexa transmissão concebida pela Ferguson (FF eram as iniciais de Ferguson Formula), que não só distribuía a tracção pelas quatro rodas, como geria mecanicamente a repartição, de modo a funcionar como um sistema anti-patinagem e também como um sistema anti-bloqueio de rodas.
Apesar da genialidade e do avanço tecnológico do modelo, foi um relativo fracasso comercial, pois custava mais 30% do que um já exclusivo Interceptor e, ao contrário deste, só estava disponível com volante à direita, por causa da transmissão. Isso impediu o seu sucesso no importante mercado americano.
O sistema de transmissão integral permanente, só proliferou quando a Audi conseguiu desenvolver uma solução suficientemente simples e fiável.
A história tem 40 anos e é bem conhecida. Tudo aconteceu num dos tradicionais testes em condições extremas, antes do lançamento do Audi 80 CL Coupé, nas estradas geladas da Finlândia. Embora Jörg Bensinger seja creditado pelo mérito da ideia, quem guiava o Iltis de serviço no momento revelador, era Roland Gumpert, o mesmo que viria a fundar a marca de superdesportivos com o seu nome.
O Iltis era um humilde todo-o-terreno concebido para fins militares, em descendência directa do velho DKW Munga, movido por um modesto motor 1.7 de 75cv e, no entanto, naquelas condições de aderência, conseguia ser mais rápido devido à eficácia da transmissão integral. Gumpert convenceu Besinger. Besinger convenceu Piëch.
Para este último, a cartada inovadora da transmissão integral, era precisamente a solução certa para a missão que lhe havia sido atribuída: a de elevar a Audi ao estatuto de marca premium, sofisticada e competente.
Iniciou-se os testes com um Audi Coupé, com o motor atmosférico de 160cv, com a transmissão do Iltis, ainda sem diferencial central.
Para demonstrar os benefícios do conceito Jörg Besinger teve de levar alguns administradores do grupo VAG à estrada mais íngreme da Europa, nos Alpes austríacos. O Audi subiu a estrada coberta de neve sem a menor dificuldade, o que provou a validade do conceito.
Para tornar a condução com transmissão integral permanente mais civilizada, era necessário aplicar um diferencial central e aí a solução técnica encontrada foi engenhosa. Com o diferencial central montado junto à caixa de velocidades, o veio secundário funcionava como roda de coroa e, usando um tubo oco, albergava outro veio que, ligado ao diferencial central, trazia movimento para o eixo dianteiro. Uma solução bastante compacta e até simples, com uma fiabilidade considerável.
Na estrada, o Audi Quattro era um automóvel invulgarmente eficaz, seguro e prático, para aquilo que se espera de um desportivo, mas era nos ralis que a inteligente transmissão se provava demolidora. Os pilotos queixavam-se de era um automóvel pouco ágil, pesado, impreciso e nada divertido de conduzir mas, ainda assim, era demolidor em termos de eficácia.
A Audi continuou a desenvolver o sistema e a simplificá-lo, com tecnologias mais modernas. O nome "Quattro", de origem italiana, foi muito bem explorado comercialmente pela marca até aos dias de hoje.
Outros construtores desenvolveram os seus sistemas de transmissão integral permanente, com notável sucesso, mas o nome Quattro, ficou gravado na memória colectiva por ser o primeiro sistema usado em larga escala e pelo sucesso desportivo.