No meu escritório: Renault 5 Turbo
Nunca fui muito de coleccionar miniaturas. Aliás, até cheguei a fazer uma grande colecção de modelos de rali e uma outra de motos de velocidade, mas ao conclui-las, comecei a fazer contas (algo em que nunca fui bom) e percebi que a soma me teria permitido comprar uma moto razoável, ou um carro fraquito. Qualquer uma das duas hipóteses me daria mais prazer do que hoje se resume a duas caixas de cartão bem fechadas.
A partir daí, comecei a adquirir, apenas pontualmente, miniaturas de modelos que tenham um significado especial para mim. E é precisamente o caso destas duas, de escalas bem diferentes, que mantenho sempre juntas por razões que passo a explicar.
Uma inesquecível manhã de Inverno
Lembro-me que estava muito frio. O normal em Janeiro só que, a um Sábado, custava ainda mais sair da cama de madrugada. Era dia 26 de Janeiro de 1985. O meu pai lá argumentou que ia ser giro, e terá sido convincente para nos meter a bordo de um Morris Marina Classic 1.5D (Ital), que era o seu carro de serviço, para rumarmos lá para os lados da Serra d'Arga. O Morris era péssimo e desconfortável, mas isso não me incomodava porque, na verdade, penso que na altura os automóveis não me interessavam especialmente.
O meu pai também não era o maior aficionado do mundo, mas sabia umas coisas, percebia muito de mecânica e tinha vários amigos ligados às corridas, nomeadamente no Targa Clube. Foi de lá que veio a solicitação: dava jeito contar com voluntários que possuíssem rádios “CB” para ajudar na comunicação entre os controlos. O meu pai era um grande fã da “Banda do Cidadão”, activo nos clubes e associações daquele hobby, tal como o Ruy Minnemman Batista, que era chefe de segurança via rádio daquele rali e que, assim formou uma das primeiras equipas nacionais de segurança de ralis via rádio-amador.
Para os mais novos, digamos que a CB (Citizens’ Band) fazia quase o mesmo que faz hoje o Facebook: falava-se com pessoas de todo o mundo, por vezes desconhecidas, com ou sem tema de conversa, escutava-se as conversas dos outros e fazia-se amigos. Insultava-se um bocado menos... Em suma, eram como poderosos walky-talkyes que permitiam falar para outros continentes.
Foi exactamente a partir daquela manhã, de há quase 35 anos, que os automóveis passaram a ser o assunto que ocuparia 90% dos meus pensamentos. Até àquela edição do Rali Sopete, eu, apesar dos meus longos sete anos de vida, nunca tinha visto um automóvel de competição e, por isso, estava curioso. Pela mão da minha mãe aproximei-me da partida da classificativa. Depois de um qualquer carro zero, ele chegou: era amarelo e branco. Acho que também nunca tinha visto um carro amarelo e branco. Muito menos com aquela largura. Não se parecia em nada com os carros que eu tinha visto até então. E depois o som a subir de volume, freneticamente (ainda não havia launch control), até arrancar a uma velocidade estonteante e desaparecer numa curva à esquerda. Que coisa incrível!
Só mais tarde aprendi que o NG-81-41 era um Renault 5 Turbo “Tour de Corse” (1 de 20 produzidos para o regulamento de Grupo B) e que o piloto se chamava Joaquim Moutinho. Em segundo lugar partia Joaquim Santos, mas comparado com 5 Turbo, o Escort RS 1800 da Diabolique era demasiado normal...
O meu pai nunca chegou a saber o impacto que aquele episódio viria a ter na minha vida mas, sem querer, é capaz de ter sido das coisas mais importantes que fez por mim.
Foto Rali Sopete: Renault Portugal
O Natal de 1985 e o meu 5 Turbo
O 5 Turbo passou a ser o meu tema de conversa favorito e, para felicidade dos meus pais, eu decidi, naquele momento, que queria que a minha prenda de Natal fosse uma simples miniatura da Majorette do 5 Turbo. E assim foi: esperei 11 meses, paciente, mas ansiosamente, por um brinquedo que, fazendo a equivalência para a actualidade, custava cerca de cinco euros. Éramos tão mais fáceis de fazer felizes...
Era o meu brinquedo preferido e foi ficando gasto, até "hibernar" numa caixa nos arrumos, quando os meus interesses já se tinham centrado na escala real. No entretanto, houve uma qualquer arrumação de garagem em que não estive presente e, pelos vistos, "perdeu-se" uma caixa que continha todos os meus adorados Majorette e Matchbox...
Independentemente de todos os outros de que sinto falta, o Renault 5 Turbo era aquele que mais lamentava ter perdido, apesar do desgaste e de ter o pára-choques dianteiro partido. Se ao menos encontrasse um em bom estado...
No eBay cheguei a vê-los a preços exagerados e embora fosse sempre pouco dinheiro, não via encanto em comprar assim.
Um convite da Renault e as memórias de volta
Em Julho de 2019, graças a um convite do Alfredo Lavrador, "reencaminhado" pelo meu amigo Filipe Pinto Mesquita, dei "um saltinho" a França, ao serviço do Observador, para fazer uma reportagem dum evento da Renault, destinado a comemorar os 40 anos da primeira vitória de um motor turbo na F1. A Renault Classic reuniu todos os modelos turbo da história da marca e deu-nos a oportunidade de os testar. Concretizei a ambição de guiar uma destas máquinas em pista, no caso em concreto, um Turbo 2, imaculado.
Melhor ainda, foi apanhar Jean Ragnotti sozinho e poder conversar com ele sobre o 5 Turbo, o Maxi e sobre o rali de Portugal. Só foi pena não poder andar ao lado com este ídolo, que na altura já não fazia demonstrações, como no passado.
No entanto, o melhor ainda estava para vir e só serviria para reforçar a minha obsessão pelo 5 Turbo: por sorte, calhou-me o privilégio de rodar ao lado de Alain Serpaggi, no carro em que foi campeão francês de ralis: nada menos que outra das 20 unidades produzidas do Tour de Corse.
Tudo atingiu um momento de climax quando derrapamos espectacularmente até embatermos com violencia nos rails e, para resolver o problema, tivemos de substituir o Tour de Corse pelo 5 Maxi Turbo com que Ragnotti venceu na Córsega! Mas tudo isso é uma história para outro artigo.
A alegria do Natal, 35 anos e um mês depois.
Em 2020, precisamente antes da pandemia tornar impossível qualquer viagem, passei uns dias, com amigos, a deambular entre Milão e Turim, a visitar oficinas e museus. O périplo terminou em Lingotto, com visita à famosa pista e a habitual visita ao Salão Automotoretro, que tinha uma enorme secção de automobilia. E foi lá, no meio de inúmeras peças coleccionáveis que eu não conseguia comprar ou transportar numa mala minúscula, que encontrei um Renault 5 Turbo da Majorette "em estado de concurso", que me custou os cinco euros mais bem gastos de sempre.
O dia estava ganho e os meus amigos estavam um bocado espantados com o meu entusiasmo com uma compra tão insignificante. Nem eu imaginava que dez minutos depois, aconteceria mais uma coincidência inacreditável: numa banca adiante, entre inúmeras miniaturas de rali à escala 1:18, estava nada menos do que o NG-81-41, com a decoração do "negro" Rali de Portugal de 86. É uma edição da Universal Hobbies que nem sabia existir e que consegui trazer por 20€, ao que parece, um excelente negócio. Valeu-me um cantinho "escavado" a custo na mala de cabine...
Hoje, os dois Renault 5 Turbo têm lugar de destaque no meu escritório, onde existem outras miniaturas com outras histórias, que ainda darei a conhecer.