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A raridade não torna um automóvel valioso

Há vários factores decisivos para tornar um automóvel valioso. A raridade não é um deles. É fácil perceber porquê.
Hugo Reis
17 de dez. de 2024

As coisas únicas, ou pelo menos invulgares, são um motivo de fascínio constante para os seres humanos. 

Numa análise mais séria da psicologia humana, será talvez possível identificar vários factores  para esse fascínio, nomeadamente a curiosidade acerca daquilo que não conhecemos tão bem, o fascínio da descoberta e, no fundo, a semelhança com a natureza humana já que, afinal, todos somos únicos...

Mas se é verdade que todos somos únicos, também é verdade que, apesar disso, nem todos somos muito desejáveis. Então o que importa, afinal?


A banalidade, é quase sempre um bom sinal.

É comum ouvirmos criticar as escolhas dos outros com base na banalidade. Há em muitos uma vontade de fugir ao óbvio que é bastante saudável. É a procura de algo diferente que nos proporciona o cinema independente, a música alternativa, novas correntes artísticas e muito mais. 

Contudo, quando falamos de objectos com uma componente prática, esse “pensamento lateral” é muitas vezes esmagado pela realidade. 

Porque é que toda gente compra uma BMW GS? Porque é que todos preferem uma Honda CB 750? Porque é que todos quere correr de Ford Escort? Porque é que toda gente deseja um 911? 

Há tantas alternativas ao previsível... só que quando se trata de viver com o veículo, as razões tornam-se evidentes. Se toda a gente fez a mesma opção na altura, há-de ter havido bons motivos: a resistência, o prazer de condução, a maneabilidade, etc., fazem com que determinados modelos sejam vulgares.


O oposto, é quase sempre verdade.

Temos, na família, um automóvel clássico que nunca foi vulgar em Portugal e que ao longo dos anos se tornou raro, ao ponto de não haver, provavelmente, mais de uma dúzia em bom estado em todo o país. 

É comum alguns amigos e curiosos perguntarem “Então deve valer bom dinheiro, não?”. A resposta é não. A razão por que poucos existem, prende-se com questões práticas de falta de habitabilidade, falta de potência, baixa velocidade de cruzeiro, pouco conforto e, sobretudo, uma relação difícil com os elementos, que ditou que a maioria dos exemplares fosse consumida pela ferrugem.


O que importa não é a raridade, mas a escassez.

A ideia para esta reflexão ocorreu-me ao ver uma publicação nas redes sociais acerca de um Wartburg 353 vendido novo em Portugal. Trata-se de um modelo oriundo, como o nome sugere, da Alemanha do Leste. A marca chegou a estar representada em Portugal, mas ter-se-á vendido pouco mais do que uma mão cheia de exemplares.

Era um modelo com motor a dois tempos, com um desenho que poderia ter sido feito no pré-escolar e uma qualidade de construção a condizer. É natural que tenha sido e continue raro, porque ninguém o quer, a não ser por piada. E mesmo esses potenciais compradores, porque sabem que são a excepção, não estão dispostos a pagar muito. 

No fundo, a raridade, por si só, não é um factor de valorização. Nascer com seis dedos numa mão também é raro, mas ninguém quer. Ser raro só é relevante quando isso se soma a outros factores que tornam um dado modelo desejável. 

Às vezes basta uma boa história. Isso explica que o Trabant, compatriota e concorrente directo do Wartburg valha tanto mais. Além de ter sido o transporte mais usado pelos jovens que queriam, pela primeira vez, explorar a Europa, houve a ajudinha dos U2 aquando do seu álbum Acthung Baby, ao usá-lo nos videoclips e no palco da tournée. Tornou-se, por isso, um ícone fumarento, muito apreciado pelos coleccionadores.

Raridade é “só” a cereja no topo do bolo

Mas quando a raridade é um facto que se soma a virtudes intrínsecas, é um enorme potenciador do valor e não faltam exemplos disso. 

Veja-se, por exemplo, a diferença de valor entre um Porsche 991 R e o seu “gémeo” 991 GT3 Touring. Ou, ainda mais chocante, a diferença entre um Clio Williams numerado e outro das séries seguintes.

Com o argumento da raridade, hoje as marcas usam e abusam das séries especiais, para conseguir mais lucros com modelos que em pouco ou nada diferem de outros. 

Mas há exemplos bem diferentes, com o é o caso do Mercedes-Benz 300 SL “Gullwing “ de carroçaria alumínio. Se o modelo mais comum é só relativamente raro, com 1400 exemplares produzidos, este é especialmente desejável por apenas terem sido produzidos 28 exemplares. A sua cotação é, por isso, muito superior à de um modelo comum, como ficou provado no recente leilão da colecção de Rudi Klein. 

Num caso como este, não são os 80kg a menos que justificam a diferença de valor, pois ninguém vai usufruir dessa “dieta”. É antes o desejo de ter o melhor do melhor. É a versão mais especial de um automóvel que já era muito especial pelas qualidades intrínsecas, pela história e pela estética fascinante. 

 

Conclusão

Posto isto, da próxima vez que se cruzar com um anúncio de um caro e raro Morris Marina, sugiro que envie o link deste artigo ao vendedor.