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Ficámos a dever uma a Tom Matano, “pai” do MX-5

Todos os entusiastas dos automóveis, sem excepção, têm uma divida de gratidão a Matano. Eu, como proprietário de um MX-5, ainda mais.
Hugo Reis
23 de set. de 2025

Fotos: António Soares, Mazda USA, Edgar Alves

Sem querer ser sentimentalista, ao ler as notícias da manhã de ontem, o meu primeiro impulso foi descer as escadas em busca chave do MX-5 para fazer o resto do meu dia com ele e, assim, poder prestar uma espécie de homenagem ao seu criador, neste dia soalheiro.

Infelizmente, o meu Miata não está em casa, pelo que terei de adiar o momento. Resta-me, pois, escrever estas palavras, num gesto simbólico de gratidão. 

Porque devo estar grato?
Sou proprietário, desde 2006, de um MX-5 Miata (modelo americano) fabricado em 1990, importado em novo para Portugal em 1991. 

Como qualquer entusiasta de automóveis, sempre desejei ter um desportivo. Um modelo que me permitisse guiar da maneira que imaginava, sem receios, que me permitisse ter verdadeiro prazer de condução e que, ao abrir a garagem, me desse aquela sensação de estar a olhar para algo mais especial do que um “simples GTI”, com o formato igual ao de outro carro qualquer. 

O Miata deu-me isso e ainda mais. Trouxe o prazer de um descapotável e de um modelo cheio de pormenores daqueles que despertam o nosso entusiasmo infantil: faróis escamoteáveis, puxadores de porta especiais e minimalistas, detalhes de inspiração retro, comando da caixa de velocidades fantástico, etc.

Acima de tudo, era o único modelo genuinamente desportivo que poderia ter sido usado e abusado, ao longo de todos estes anos, sem avarias e sem nunca esgotar o meu reduzido orçamento para manutenção. Ao longo destes 19 anos, nem uma lâmpada precisei de trocar. Tudo o que foi preciso fazer de manutenção extraordinária, foi por descuido ou estupidez do proprietário.

Foram anos de encontros, férias, estradas de montanha, track-days, uso diário, trabalho como "carro-câmara" e, ultimamente, até o chamado “school run”. Muitas alegrias e nem um único desgosto. À custa dele, fiz amigos e vivi momentos verdadeiramente inesquecíveis.

Porque é que todos temos de estar gratos?
Alguns dos que estão a ler isto, não têm um MX-5, nem querem ter. Podem nem sequer perceber o fascínio, mas, ainda assim, devem um “arigato” ao Senhor Matano. 

Porque sem o Senhor Tsutomo (Tom) Matano e o seu amigo Bob Hall (responsável pelo lançamento do projecto do MX-5), dificilmente a indústria voltaria a acreditar num produto como este. Um verdadeiro conceito “back to basics”, em que, pela primeira vez em muito tempo, um pequeno automóvel recebeu um motor em posição longitudinal, com transmissão ao eixo traseiro e ainda, suspensão de triângulos sobrepostos, menos de uma tonelada de peso base e um moderno motor de 16 válvulas atmosférico, mas concebido originalmente para aguentar a sobrealimentação. 

À validade do conceito, juntou-se a qualidade da execução, para tornar o MX-5 num improvável best-seller. 

À custa do seu sucesso, com quase um milhão de unidades vendidas só nas duas primeiras gerações, hoje continua, apesar das qualidades, a ser uma das opções mais económicas para quem quer um desportivo.

E foi também à custa do seu sucesso que muitas marcas ganharam coragem para se lançar em aventuras semelhantes. A BMW com o Z3, a Mercedes-Benz com o SLK e, mais tarde, a Honda com o S2000. Mas, no entretanto, outros construtores se aventuraram, com soluções menos tradicionais, como a MG com o F e TF, a Fiat com o brilhante Barchetta, e outros mais que provavelmente não aconteceriam se não tivessem tido o MX-5 a abrir caminho.

O “efeito” MX-5 afectou também outros automóveis de géneros diferentes, como os populares hot-hatch que, não sendo muito mais baratos, tinham de oferecer cada vez mais argumentos para compensar o que tinham de menos especial. E fez também surgir alguns coupés de transmissão traseira (a única derivação que ficou a faltar ao MX-5).

Recordar os valores fundamentais
A popularidade do MX-5 serviu também para recordar a entusiastas e a engenheiros, alguns princípios fundamentais dos automóveis desportivos, que já pareciam esquecidos. Nomeadamente a importância do tacto dos comandos, como a direcção ou o selector da caixa. A pureza da informação recebida pelo condutor.

Com este modelo Mazda recordou também a indústria e os condutores que as sensações eram algo de muito mais importante do que os números, algo que, ainda hoje, parece conflituar com a ultra-masculinidade de alguns entusiastas...

A importância das pedradas no charco
Recuso tornar-me um daqueles proprietários fanáticos. O MX-5 é apenas um de muitos automóveis que, por concretizarem com mestria alguns dos seus principais objectivos, têm um efeito positivo na indústria que obriga todas as marcas a elevar os padrões.  Neste caso é particularmente relevante, por ter esse impacto num segmento acessível e no tipo de automóvel que nos diz mais. 

A humanização do automóvel
Não sei se é por ser péssimo a matemática, mas os números nunca me fascinaram demasiado. Ser mais rápido um segundo ou dois, não vale mais do que sentir intimidade com a estrada, ou uma passagem de caixa perfeita. 

Para Matano, o aspecto sensorial do automóvel era o foco principal. O tacto dos pontos de contacto, a dose certa de resistência de cada movimento. A interacção perfeita entre homem e máquina. O tal “jinba ittai” (cavalo e cavaleiro como um só) que usou como resumo da filosofia do MX-5 e que se estendeu às gerações seguintes do modelo, assim como a outros produtos da Mazda.

E, para Tom Matano, esta humanização do automóvel passava também por um design capaz de criar empatia, mais do que rasgar fronteiras. Algo que estava patente no MX-5, mas também na sua outra grande obra, o RX-7 FD, que criou uma legião de fãs e que era um modelo de proporções tradicionais e sensuais (não muito diferentes das do automóvel que o atraiu para a profissão, o Alfa Romeo Canguro, desenhado por Giugiaro.

Os automóveis do passado foram sempre uma inspiração, daí a ligação aos pequenos roadster como os MG e Elan e às memórias pessoais, como as do seu raro Abarth OT1300, baseado no Fiat 850 Coupé que, curiosamente, também tenho.

Um legado infinito
Matano começou como engenheiro e só depois viria a formar-se como designer. Isso deu-lhe a visão global do que deveria ser um bom automóvel e abriu-lhe portas, tendo passado por outras marcas, nomeadamente a BMW, onde trabalhou na génese do Série 3 E36, ao lado do compatriota Pinki Lai, que viria a ser famoso também pelos Porsche Boxster e 996.

O sucesso do seu trabalho na Mazda, elevou Matano ao cargo de Director Executivo de Design em 1999, deixando assim os estúdios da Califórnia, para trabalhar na casa-mãe, no Japão, a sua terra natal. 

Contudo, o apelo do sol e da sua pátria de adopção terá sido maior, pois abandonaria a posição em 2002, para se tornar Director Executivo da Escola de Design Industrial da Academia de Artes de San Francisco. 

Na posição de professor, a sua reputação e experiência conferiram-lhe particular substância e autoridade técnica, passando a sua visão e conhecimento a novas gerações de designers.

Paralelamente, o genuíno entusiasmo pelos automóveis e pelo MX-5 em particular, motivaram o seu constante envolvimento nas actividades de clubes do modelo, com participações em inúmeros eventos importantes do mundo automóvel e também em colóquios. Tom sempre foi um homem integrado na comunidade de entusiastas e, por isso, entendeu tão bem o mercado.

Fica também para a história a sua passagem pelo programa “Jay Leno’s Garage”, onde o humorista, confesso fã do MX-5, o entrevistou.

Por onde passou, a sua presença foi constantemente celebrada, tornando-se uma fonte de inspiração e entusiasmo para os adeptos do pequeno roadster. Aliás, a frase que usava como seu lema de vida e que sempre acompanhava a sua assinatura era "Always Inspired".

Matano morreu no sábado, dia 20, aos 76 anos, mas várias gerações de entusiastas continuarão a viver com alegria o seu legado ao longo das próximas décadas, ao volante dos MX-5, ou dos modelos que este influenciou. É assim que vamos pagar esta dívida de gratidão: "Always Inspired".