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Um clássico é um luxo?

Aos olhos da sociedade, a posse de um clássico é muitas vezes vista como negativa e fútil, com reflexos na legislação e na fiscalidade. É só falta de cultura?

Desde o princípio da civilização que o espaço onde um indivíduo vive e a forma como se desloca, são dois indicadores da sua condição de vida e do seu estatuto social. Daí até começarem a ser pensados intencionalmente como uma forma de afirmação, a distância foi curta.

Já acontecia assim quando a maioria da população caminhava e outros possuíam cavalos e carruagens. O advento do automóvel veio acentuar ainda mais as diferenças, pois para além da questão de ter ou não um automóvel, houve, desde cedo, a possibilidade de ter um modelo comum ou de luxo.

À medida que a relação da sociedade com os automóveis foi evoluindo, a relação com os veículos antigos também sofreu mutações. Quando o movimento dos antigos se começou a tornar visível, os entusiastas eram vistos apenas como pessoas peculiares, mas à medida que esta paixão se começou a tornar mais comum, o cidadão comum começou a reconhecer o acto de recuperar e usar um automóvel antigo, como um sinal de sofisticação.

Como tudo o que se considera invulgar e sofisticado, a posse de um automóvel antigo passou a ser rotulada como um luxo. Mas será mesmo assim?

A verdade é que há automóveis antigos de todo o género (utilitários, de mercadorias, etc) para todos os orçamentos e, mesmo com valores muito baixos é possível adquirir modelos com substancial significado histórico, muito populares e dignos de preservação. Também a ideia de que  a manutenção é dispendiosa quando comparada com a de um automóvel moderno, não tem fundamento.

Na verdade, o orçamento necessário para a compra e manutenção de um automóvel antigo ao longo de um período de cinco anos, pode ser substancialmente inferior ao que um fumador comum despende em tabaco no mesmo período. É fácil deduzir que, destes dois “vícios”, só um traz consigo novos amigos, conhecimento e sorrisos.

No entanto, a errada percepção que a sociedade tem, de que o automóvel antigo é necessariamente uma espécie de luxo, reflecte-se na legislação, nos impostos e na acção política, com efeitos perniciosos e que a todos prejudicam, mesmo aos que não são entusiastas. 

O proprietário de um automóvel antigo, é um bastião da história e da memória colectiva. Os automóveis antigos são um património material, mas também intelectual, pois eles são o retrato de um momento na história da tecnologia e da sociedade. Fazem parte de uma memória colectiva e, como todo o património museológico, são essenciais para que se perceba o percurso da história e se entenda o presente e futuro.

Mais importante ainda, o  automóvel antigo quase sempre vive para além do seu titular, o que significa que este não é um dono absoluto, mas apenas um guardião de um pedaço de história durante um determinado período de tempo e às suas custas.

Quando um veículo antigo sai à rua, há a certeza de que haverá crianças sorridentes, jovens interessados e adultos com uma doce nostalgia. O benefício não é exclusivo do proprietário. É por isso que um automóvel antigo não é um luxo, mas antes uma riqueza cultural que merece ser preservada e protegida pela lei, como o são o património arquitectónico e artístico.