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A melhor homenagem a Gandini? É desenhar pior.

Pegar no Biturbo e fazer um restomod com mecânica moderna, é uma boa ideia. Imitar Gandini, é que talvez não...
Hugo Reis
5 de nov. de 2024

Há uma pergunta que surge tantas vezes em conversas de entusiastas e podcasts, que é inevitável que cada um de nós comece a imaginar respostas: “Qual o automóvel do qual gostarias que houvesse um restomod?”

Uma excelente base de trabalho
Para mim, uma das respostas mais óbvias é o Maserati Biturbo e as razões são óbvias. Para começar, a ideia de um automóvel pequeno, com um motor grande, sempre foi sedutora. Em segundo lugar, o facto dos Maserati envelhecerem mal, faz com que uma eventual reconstrução do interior com melhores materiais seja uma oportunidade real de melhoria. 

Outra razão são as pequenas fragilidades de engenharia do Biturbo, que põem em causa a fiabilidade de um automóvel cujo motor até nem era mau. A juntar a isto, o facto de o valor comercial ser muito baixo e de haver muitas unidades cujo restauro, nos modos tradicionais, não é financeiramente viável.

Nas pegadas dos mestres
Por último, o desenho original de Pierangelo Andreani é absolutamente genial. Talvez mais genial do que o resto do automóvel. Combina uma dose moderada de tradicionalismo, com uma agressividade desportiva e proporções perfeitas, bem enquadradas naquele que era o padrão em voga da época, com linhas angulares e traseiras em cunha. 

Aliás, um desenho de tal modo bom, que Gandini não precisou de muito mais do que aprimorar detalhes para sublimar as formas e garantir que o modelo se mantinha actual ao longo a sua enorme vida comercial, que começa em 1981 e termina em 1994.

Alguém tinha de o fazer
Acontece que a jovem empresa Modena Automobili teve precisamente a ideia de criar um restomod baseado no Biturbo. Ideia bastante oportuna, na minha opinião. A execução é que talvez seja discutível.

Para resolver eventuais fragilidades mecânica e eléctricas, a empresa “cortou o mal pela raíz” e instalou um moderno motor V6 biturbo oriundo do Ghibli (M157) de 2013, associado a uma moderna caixa automática ZF de oito velocidades com comando manual. 

A potência atinge assim um máximo de 500cv, permitindo performances actuais, como os 4,7 segundos nos 0 a 100km/h e 285km/h de velocidade máxima.

Nec plus ultra
O apogeu do Biturbo foi, naturalmente, o exclusivo Shamal, o primeiro Biturbo com motor V8, e o modelo em que Gandini se aplicou para criar algo mais extremo.

Ainda hoje, o Shamal tem uma aparência brutal, irreverente, mas coerente em todos os detalhes e, acima de tudo, com a importante assinatura de autor, presente em detalhes como o corte do guarda-lamas traseiro, semelhante ao que podemos encontrar em modelos como o Lamborghini Countach e Diablo, Cizetta Moroder, Qvale Mangusta, Maserati Quattroporte IV, ou concepts como o Ferrari Rainbow, o Lamborghini Bravo ou Stratos Zero.

Em suma, Gandini desenhou o Shamal para ser o verdadeiro “nec plus ultra” do Biturbo, ou seja, o limite máximo. O ponto que não pode ser transposto. E a criação da Modena Automobili prova isso mesmo...

Agressão gratuita
Tudo o que há de bom no desenho do designado “Biturbo-Shamal”, já lá estava em 1977, no desenho original, ou foi acrescentado por Gandini. Tudo o que vai para além disso, mostra simplesmente que a imaginação se esgotou. 

É um esforço por esticar uma ideia que já não tinha mais por onde ceder. A inspiração parece vir das mais recentes criações da Aston Martin, como os ultra-agressivos Victor e Valour, sobretudo na secção traseira. 

Pior ainda, desapareceu o guarda-lamas oblíquo que caracteriza o desenho do Shamal original e que é fundamental para vincar a identidade da carroçaria. 

Fica assim provado que, fazer melhor do que o mestre, é realmente difícil. Mesmo sem querer, essa talvez acabe por ser a melhor das homenagens.

Menos é mais
Neste mundo novo e complexo dos restomod, por vezes, o mal está em tentar ir demasiado longe. Neste caso, por tomar como ponto de partida o fim da linhagem, em vez de dar um passo atrás.

A ideia de um Maserati Biturbo confortável, actualizado, com um motor moderno, mas com o charme e a agressividade contida dos modelos dos anos 80, ainda me parece que seria a aposta acertada para a Modena Automobili.

Já agora, imaginemos que estão a aceitar sugestões... deixo no ar a pergunta: que outros modelos italianos mal-amados, seriam perfeitos para um restomod?