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Personalidade: Paul Frère

Há pessoas que passam a vida em busca de um talento. Paul Frère tinha dois: foi excelente jornalista e excelente piloto.

Fotos: Rob Young Archive / Motorsport Images

Frère não tinha ainda terminado o seu curso universitário, em Bruxelas, quando enviou para a famosa revista “La Vie Automobile” aquele que seria o seu primeiro artigo. O texto comparava as virtudes e limitações dos modelos de transmissão traseira e dianteira. A qualidade do trabalho fez com que passasse a assinar a secção técnica daquela publicação. Foi o primeiro passo de Frère para abrir caminho a uma vida dedicada aos automóveis, uma vontade que nasceu quando acompanhava o seu pai, enquanto espectador, às 24 Horas de LeMans.
O interesse do agora jornalista pela mecânica ajudava-o a ter uma mais clara compreensão do funcionamento das máquinas, o que fazia dele um potencial bom piloto. Essa era a sua maior ambição. Entrar no desporto motorizado era uma necessidade e o caminho mais económico teria de ser feito em duas rodas. Envolveu-se localmente nas competições de motos com bastante sucesso, mas o seu resultado mais preponderante seria a vitória no Grande Prémio de Bruxelas de 1948, pilotando uma Puch 125 de fábrica.
Naquele meio cimentou amizades com pessoas ligadas ao desporto automóvel, nomeadamente com Jacques Ickx, pai do famoso piloto como mesmo apelido, também ele um reputado jornalista da especialidade. Foi por recomendação deste que Frère integrou a equipa da Oldsmobile na prova de turismos em Spa, na classe 1, destinada a carros de produção em série. Frère venceu com alguma sorte e a sua carreira estava assim lançada.

Passado pouco tempo o belga estava ao volante de um HWM de Fórmula 1, substituindo o grande Peter Collins numa prova em Chimay, que acabaria em quarto. A sua performance valeu-lhe o convite da HWM para o Grande Prémio de Fórmula 1, que se disputou num circuito de Nordschleife bem encharcado, onde acabaria por bater o seu companheiro de equipa, Collins. Seguir-se-ia o convite para a equipa oficial da Porsche em LeMans e uma vitória à classe com os 550 Spyder. Em 1954 recebeu um convite de Alfred Neubauer para competir em LeMans com os Mercedes 300SL que, no entanto, não ficaram prontos a tempo. No ano seguinte, o convite repetiu-se, mas Frère já tinha integrado a equipa da Aston Martin com o DB3S e teve de recusar. O seu lugar ao volante do Gullwing foi ocupado por Pierre Levegh, que esteve na origem da maior e mais famosa tragédia da história do desporto automóvel.
A boa performance a volante dos HWM não passou despercebida a Enzo Ferrari. Ser-lhe-ia dada a oportunidade de pilotar o 555 Supersqualo. Estando o Ferrari muito aquém das capacidades dos Mercedes da época, Paul Frère fez praticamente o melhor possível na sua única prova oficial com o Ferrari: quarto lugar no GP da Bélgica, atrás de Fangio, Moss e o seu companheiro de equipa Nino Farina, mais experiente e familiarizado com a máquina.

Apesar disso o piloto não mais voltaria a competir no campeonato mundial aos comandos dos Ferrari. Isto porque numa prova do campeonato Suiçode Sport, teve um acidente aos comandos de um Ferrari Monza, em que partiu uma perna e feriu a sua confiança enquanto piloto. A partir daí, decidiu não voltar aos carros de Grande Prémio, cuja condução achava mais exigente e perigosa. No entanto, em 1956 chegou um convite para competir na prova belga em 1956, substituindo Luigi Musso – que tinha partido um pulso – ao volante do mítico Lancia Ferrari D50. Frère achou que a experiência daria um excelente artigo jornalístico e por isso pediu para testar o carro antes. Depois do teste tornou-se impossível recusar, já que o potencial que viu no carro era incrível. Terminou em segundo, atrás de Peter Collins em carro igual.
Daí em diante a carreira centrou-se nos carros de Sport e teve o seu ponto alto na vitória das 24 Horas de Le Mans de 1960, com Olivier Gendebien no Ferrari 250 TR59/60.
Depois de provar que podia bater-se com os grandes de igual para igual, dedicou-se à extraordinária carreira jornalística e a prestar consultoria técnica a vários construtores, em especial à Porsche.
O seu livro autobiográfico “My Life Full of Cars” é uma leitura obrigatória, onde se pode encontrar umas das mais célebres frases: “Um dia os automóveis vão ser movidos por uma qualquer energia alternativa e, uma vez na auto-estrada, bastará premir um botão para ir do ponto A ao ponto B. Felizmente não viverei para testemunhar esse dia.” Infelizmente, a primeira parte está próxima de se concretizar e a segunda concretizou-se em 2008, quando faleceu aos 91 anos. Permanece como uma das maiores referências entre os jornalistas do ramo automóvel.