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Hans Ledwinka, o inconformado

Um dos engenheiros mais influentes do mundo que, por isso mesmo, acabou preso e esquecido.

Em qualquer profissão que exija criatividade, a maior dificuldade que o criativo enfrenta é a de libertar-se de influências e preconceitos. Quase nunca, uma ideia parte de uma folha em branco, livre de pressupostos. O grande desafio do criativo está em questionar porque é que as coisas são feitas e aceites de uma determinada forma e se há maneira de romper com ela. Em suma, ser criativo é ser inconformado. Para um engenheiro, a criatividade é mesmo um paradoxo: por um lado é-lhe exigido que acumule informação e conhecimento e, por outro, as grandes invenções só acontecem quando é capaz de questionar e desconstruir aquilo que aprendeu. 

Hans Ledwinka, nasceu na Áustria em 1878 e iniciou a sua carreira como mecânico. Mais tarde viria a estudar e tornar-se um engenheiro mecânico apaixonado, o que cedo lhe valeria um cargo na Tatra, antes mesmo da marca se dedicar ao fabrico de automóveis. Ledwinka esteve envolvido no desenvolvimento dos primeiros automóveis da marca mas, em 1917, aceitou um emprego na Steyr. Regressou à Checoslováquia em 1921, para ocupar a posição de engenheiro-chefe na Tatra. Nesse período explorou várias soluções pioneiras que ainda hoje são aplicadas na indústria automóvel como, por exemplo, o uso do túnel de transmissão enquanto parte estrutural do veiculo.

Essa solução foi estreada no Tatra 11 de 1923, que tinha também a particularidade invulgar de montar um motor boxer bicilíndrico de árvore de cames à cabeça. As duas características faziam deste um dos carros mais ágeis da sua época, a par do Lancia Lambda.O momento de maior genialidade de Ledwinka aconteceria alguns anos mais tarde, em 1931. O protótipo V570 usava um novo motor boxer de quatro cilindros (então já usado no Tatra T12) montado, desta feita, atrás do eixo posterior. O novo Tatra tinha um design moderno e compacto e tinha como objectivo ser um transporte acessível para as famílias menos abastadas. Se a descrição soa familiar, a silhueta mais familiar parece. O V570 era praticamente igual ao primeiro protótipo do VW Carocha e por boas razões. 

No início dos anos 30, a diplomacia entre o governo Nazi e o governo checoslovaco liderado por Edvar Beneš, motivou algumas visitas de Hitler àquele país. Hitler viajou a bordo dos Tatra e chegou a visitar a fábrica. Numa dessas visitas fez-se acompanhar de Ferdinand Porsche no sentido de iniciar uma espécie de cooperação industrial. 

Foi na sequência dessas visitas que surgiu o projecto do carro que viria a ser baptizado de Volkswagen. Porsche admitiu mais tarde ter apreciado em detalhe os projectos do Tatra e manifestou o interesse em conhecer mais sobre o motor boxer. Por outro lado, considerava que o chassis do Tatra tinha algumas ideias suas. Ledwinka não se resignou e avançou com um processo por espionagem industrial. Quando as duas partes pareciam estar perto de um acordo, o Führer disse a Ferdinand Porsche que tomaria o assunto em mãos. Passado pouco tempo, a Alemanha ocuparia a Checoslováquia… 

A história não terminou por aqui: o processo seria retomado no pós-guerra e a VW seria mesmo condenada a pagar cerca de três milhões de marcos por usurpação de patentes. Simultaneamente, o governo checoslovaco moveria um processo a Ledwinka por traição à pátria por, alegadamente, ter cooperado com o regime Nazi. Ledwinka seria condenado e preso por cinco anos. 

Depois de libertado, tinha a oportunidade de ser reintegrado na Tatra, mas recusou. Viveu os seus últimos anos em Munique, aonde morreria, em 1967.Apesar de ter sido uma das personalidades com mais influência na história do automóvel, a sua notoriedade é mínima, especialmente se comparada com a de Ferdinand Porsche.