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Entrevista Bruno Saby

Saborear o prazer da vitória na era do Grupo B e liderou o desenvolvimento do Peugeot 205 T16. O piloto francês recorda aqueles tempos numa entrevista a Thierry Lesparre.
Thierry Lesparre
14 de ago. de 2024

Texto e fotos: Thierry Lesparre

Como foi que se deu a sua entrada na equipa oficial da Peugeot?
Eu tive a oportunidade de integrar o programa da Peugeot em 85 e 86, simplesmente porque o Jean Todt queria ter na equipa um especialista francês em asfalto. Na época estavam em grande os pilotos finlandeses, especialistas em pisos de terra ou neve e como 80% do campeonato era em terrenos escorregadios, eles conquistavam sempre a preferência. Eu fiquei responsável por grande parte do desenvolvimento. Fiz imensos testes em todo o tipo de piso. Ao mesmo tempo, fiz alguns bons ralis com resultados interessantes e cheguei mesmo a vencer o Tour de Corse de 1986. O Jean Todt deu-me também a oportunidade de competir em ralis de terra para que eu pudesse provar o quão competitivo podia ser.


Os pilotos franceses tinham complexos de competir com os finlandeses ?
Não. Simplesmente éramos especialistas noutro tipo de terreno. Ralis como o Monte Carlo, Córsega ou San Remo, onde houvesse asfalto, era onde mostrávamos as nossas qualidades. Por esta razão é que se mantinha o interesse em nós e que, a pouco e pouco, conseguimos demonstrar que com um pouco mais de experiência podiamos ser competitivos em terrenos escorregadios.
O Bruno foi quem estreou o 205 Turbo 16 Evo2 na Córsega ?
Sim, fui o primeiro a usá-lo em prova. Na altura o carro não tinha direcção assistida! Lutámos para a ter mas os engenheiros da equipa acreditavam que seria impossível guiar bem um carro deste calibre com direcção assistida, devida à perda de feeling. Por essa razão, o Evo2 estava muito difícil de guiar nessa primeira experiência e foi um rali muito duro e desgastante para mim. No fim, fiquei contente só por conseguir chegar ao final. Ainda assim, fiquei em segundo e conquistei valiosos pontos para a Peugeot no campeonato de construtores.

Conseguiu convencê-los relativamente à direcção assistida?
Eu recordo-me do dia em que experimentei pela primeira vez o 205 com a direcção assistida. Sem fazer testes preliminares, tinha acabado de sair do parque e bati de imediato o record da especial de Charleval, que eu conhecia muito bem por ter ali feito grande parte dos testes de desenvolvimento do carro. Isto provou que a direcção assistida era uma mais-valia. Mudou as vidas dos pilotos. Quando anunciei estes resultados ao Timo Salonen e lhe disse que tinha convencido e equipa técnica, ele deu-me um beijo e disse : “Finalmente temos um carro confortável de guiar!”

Explique-nos um pouco as suas sensações ao volante daquele carro.
O T16 foi provavelmente o carro mais louco que alguma vez pilotei. Ainda hoje quando me encontro com o Walter Röhrl, o Salonen ou o Vatanen, questionamo-nos como é que era possível guiarmos carros daqueles. Eram autênticos dragsters na estrada. Na última época do Gr.B, tínhamos mais de 500cv para 900kg, quase sempre em pisos de terra, gelo e lama, cheios de armadilhas.
Era uma acrobacia constante. Quando Jean Marie Balestre decidiu cancelar esta categoria, nós, na Peugeot, ficámos furiosos com ele. Mas agora, que o Jean Todt é presidente da FIA, penso que ele teria feito exactamente a mesma coisa. Olhando para trás, percebe-se que estávamos no limite da inconsciência, embora tirássemos daquilo grande prazer e estivéssemos dispostos a tudo para poder guiar aqueles carros.

Lembra-se do último rali que fez com o T16?
Sim, foi no Rali San Remo de 1986, em que infelizmente fomos desclassificados devido a componentes irregulares na carroçaria. Tive alguns problemas na secção de terra do rali e perdemos muito tempo para os adversários. Então, no último dia de prova montamos a configuração de asfalto para a etapa seguinte. Numa das especiais recuperei tanto tempo que o Cesare Fiorio, da Lancia, calculou que eu poderia mesmo ganhar o rali. Então, decidiu protestar os nossos apêndices aerodinâmicos que, por desgaste, estavam com medidas menores que as regulamentares. Tive pena, porque estávamos de facto com um andamento fabuloso e poderíamos ter lutado com os Delta S4 no final.

Naquela época, chegou a pilotar também o Delta S4. Como se comparam os dois?
Eu apreciava a agilidade do T16. O Lancia não era melhor, mas tinha um motor fantástico com o compressor volumétrico, que fazia com que num terreno escorregadio como a neve, se pudesse explorar melhor toda a faixa de rotação. Era um motor único, sempre com potência disponível.

Recentemente, teve a oportunidade de voltar a guiar o T16 Evo2 em Monthléry. Como foi?
Poucas semanas antes, tinha voltado a guiar um Evo1 e já tinha saído dele impressionado! Mas estava ansioso por voltar a guiar o Evo2. Foi um momento tão excepcional como eu antecipava e foi bom poder confirmar as expectativas. Eu sabia que este exemplar tinha um motor com a especificação de Pikes Peak, bem mais potente do que aqueles que usávamos no WRC. Os cavalos ainda estão todos lá e o carro está muito saudável. Fiquei muito agradecido ao Jen-Christian Duby por me ter emprestado este carro. Voltar a guiá-lo trinta anos depois, é uma experiência única.

Foi fácil voltar a adaptar-se?
É um pouco diferente a sensação, por causa dos pneus. No tempo do Gr. B os pneus eram feitos para durar apenas a distância que prevíamos fazer com eles. De qualquer forma, este carro está muito bem preparado e tanto a aceleração como a travagem são excelentes. Muitas vezes quando guiámos carros deste género, é frustrante, porque nem sempre há condições de explorar as suas capacidades. Neste caso, houve e foi possível andar perto dos limites do carro.

Algum arrependimento relativamente àquela época?
Eu tive a sorte de viver estes momentos áureos dos ralis. Sei que fui afortunado e hoje tenho consciência disso. Depois do súbito final do Gr. B, a Peugeot deixou os ralis O Jean Todt tinha-me prometido um campeonato completo no ano seguinte e nunca cheguei a ter essa hipótese. Ainda fiz os primeiros teste do 205 T16 de Dakar, mas depois acabei por recusar as ofertas da Peugeot para um programa de várias épocas em rally-raid. Isto porque o que eu queria mesmo era continuar nos ralis e vencer no Monte Carlo. Arrisquei ficar nos ralis e, felizmente, a Lancia ficou comigo e permitiu-me vencer o Monte Carlo com eles em 1988.

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