Conduzir, porque sim...
Desde pequeno que sou apaixonado por automóveis e desportos motorizados. Cresci com o meu pai a ver corridas, fossem elas de Fórmula 1 ou de Endurance. Também os ralis eram muito seguidos, vividos no terreno e discutidos lá em casa, tal como muitos outros desportos motorizados.
Passei muitos anos no lugar do pendura, a absorver conceitos, técnicas e história do automóvel, dando por mim numa rotina, especialmente aos fins de semana, à qual chamávamos "a nossa volta, nos nossos sítios". Foram muitos os quilómetros de estrada percorridos, especialmente na Beira Alta e Beira Baixa. O motivo? Apenas porque sim, porque conduzir era terapêutico para o meu pai.
Já lá vão vinte e cinco anos, passei do lugar do pendura para o do condutor há catorze e infelizmente já não tenho a companhia do meu pai...
A indústria automóvel mudou, adaptando-se às tendências, tal como a sociedade. Se foi para melhor? Sem entrar em discussões polémicas, a resposta a esta questão ficará para cada um de nós.
Lembro-me de, num já longínquo ano de 2009, Jeremy Clarkson na Season Finale da Temporada 13 do Top Gear dizer, enquanto conduzia um Aston Martin Vantage V12 que "(...) thanks to all sorts of things (...) cars like this soon be consigned to History Books". Concordando, ou não, com algumas das muitas opiniões e frases míticas e controversas do inglês nos programas televisivos, esta marcou-me profundamente, porque a vejo hoje mais atual que nunca.
Domingo, tarde soalheira de Inverno...
Pegar no carro, porquê? Porque sim! Porque hoje não quero andar nele para ir do ponto A ao ponto B. Apetece-me fruir de um prazer que é a condução, sem filtros. Depois do cold start ,emana a voz rouca do escape, e lá vou eu, sem destino apenas com um objetivo, sentir-me em plena união com o carro.
A marca do automóvel que conduzo tem este conceito peculiar, intrínseco ao puro prazer de condução, com valores fundamentais solidificados ao longo de 35 anos de carreira do modelo. Baseando-se num conceito perfeitamente equilibrado, ágil e leve para uma experiência de condução emocionante, chegamos à filosofia Jinba Ittai (cavalo e cavaleiro como um só) que almeja a manter o condutor e automóvel em perfeita harmonia.
O tato preciso da caixa manual, o ruído metálico do motor atmosférico a subir de regime e a maneira como o carro se atira às curvas sem medo, fazem-nos depressa esquecer um dia menos bom. O conjunto é leve e espartano tendo apenas o essencial para proporcionar o melhor prazer de condução. Não há modos desportivos, não há suspensões adaptativas, apenas um botão que liga ou desliga o controlo de estabilidade.
Vou rolando, aproveitando cada segundo da minha voltinha e do automóvel e cruzo-me com muitos dos últimos modelos da indústria automóvel mundial. A maioria deles são automóveis extremamente seguros, robustos e familiares e que nos levam do ponto A ao ponto B com o máximo de conforto, tecnologia e segurança. Mas as dimensões e o peso (esse malandro) que estes novos modelos apresentam, deixam-me com muitas interrogações... Também a estética e até as cores das carroçarias, cada vez mais homogéneas e taciturnas, me deixam pensativo.
E vem-me à memória a frase atrás referida de Jeremy Clarkson, adaptando-a para os dias de hoje: será que os automóveis desportivos, mesmo os de cariz mais familiar, estarão a caminhar para os livros de história também?
Troco de caixa, a segunda passa para terceira e assim sucessivamente, vem a próxima curva, reduções feitas e sigo caminho, perguntando-me para onde caminhamos no que diz respeito à mobilidade automóvel no mundo, e em especial na Europa. Ao invés da imposição quase à força de apenas uma tecnologia, não deveríamos deixar o consumidor poder escolher o tipo de propulsão consoante os seus hábitos, rotinas diárias e orçamento disponível?
A volta está a terminar e, ao contrário de muitos outros veículos, o MX-5 raramente nos torna as viagens mais curtas. É rápido q.b., mas irresistível a desviar-nos para o caminho mais longo e sinuoso.
Fecho a porta, afasto-me do carro e olho para trás para o rever, mais uma vez. Tal como expresso no Manifesto Futurista de Felippo Tommaso Marinetti (1867-1944), italiano e pai do movimento literário denominado futurismo, publicado em 1914:
“Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.
Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.
Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre adornado de grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Somotrácia.”
Para os amantes, como nós, de automóveis, este tipo de veículos deveria ser eterno...