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Leilões de Monterey: mau presságio, ou mau exemplo?

Apesar de alguns recordes batidos, os vários leilões da Monterey Car Week foram desanimadores. A culpa é do mercado, ou dos próprios leilões?
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31 de ago. de 2024

Fotos: RM Sotheby's, Mecum, Broad Arrow

O mercado dos automóveis clássicos, em todos os seus patamares, tende a ser influenciado por alguns “barómetros”, que são os grandes leilões do ano. Primeiramente os da Retromobile no início do ano e, no Verão, os que nos dão uma visão da dinâmica do outro lado do Atlântico, realizados na Monterey Car Week. 

Uma realidade distante?
Quando vemos notícias acerca de vários automóveis transaccionados por milhões, é justo pensar que aquele mercado nada tem a ver com a nossa realidade. Contudo, em Monterey acaba por haver lotes para quase todas as carteiras mas, mais importante do que isso, a percepção e a confiança dos compradores mais atentos, independentemente do nível de preço em que actuam, é sempre influenciada por esta vertente mais mediática do seu mercado.

Assuntos sérios no meio de um “circo”
Em alguns aspectos, a Monterey Car Week é vítima do seu próprio sucesso. O crescendo de popularidade, levou a uma multiplicação de eventos: os principais são, obviamente, o Concurso de Elegância de Pebble Beach, o concurso “The Quail”, Concorso Italiano, Motorlux, Rolex Motorsports Reunion em Laguna Seca, Legends of te Autobahn, the Little Car Show, Concours d’Lemons, além dos inúmeros “tours” em torno da região, que reúnem centenas de participantes. 

Alguns destes eventos são os momentos altos do ano, sendo imperdíveis para um verdadeiro entusiasta que tenha acesso à região naquela altura. O lado negativo é que, com tanto para ver, é natural que haja uma dispersão demasiado grande de potenciais compradores.

Todos os ovos no mesmo cesto?
Sobretudo por causa do clima, a Califórnia é a zona dos Estados Unidos que reúne população com mais elevados rendimentos e, por conseguinte, é também a que reúne algumas das melhores colecções do país. É também a região que tem uma actividade maior no sector dos automóveis coleccionáveis, por permitir desfrutrar deles ao longo de quase todo o ano. Por tudo isso, é uma região muito apetecível para quem pretende vender automóveis especiais

O problema é que as diversas leiloeiras talvez estejam a ir com “muita sede ao pote”, apostando o melhor dos seus respectivos catálogos no mesmo evento, em simultâneo com inúmeros concorrentes. Nesta edição, perdeu-se a conta, por exemplo, aos Ferrari dos anos 60 e 70 em catálogo, estes que são, normalmente, o os modelos a registar valores mais altos de venda e que são, normalmente, vendas garantidas, superando por vezes as estimativas de valor.

Contudo, quando a oferta de lotes como estes é excessiva, o mercado tente a interpretar isso como um sinal negativo e, se à partida o número total de vendas concretizadas já seria menos devido à quantidade da oferta, os receios gerados ainda pioram a situação. 

Excesso de optimismo e de ambição
Se os números de vendas concretizadas (sell-through rate) pintam um mau cenário, a disparidade entre as estimativas e os valores de venda reais ainda o tornam bem pior.

Estas são duas métricas fundamentais para análise das tendências, mas enquanto a primeira dificilemente pode ser manipulada, a segunda varia muito consoante as acções e expectativas de vendedores e leiloeiras. 

Aquilo a que se assistiu nos leilões desta edição, foi a colocação das expectativas em níveis irrealistas, com estimativas de valor difíceis de fundamentar, especialmente num ano em que se reúnem factores como os conflitos armados em crescendo, a proximidade de eleições nos EUA, um arrefecimento do mercado bolsista e alguns prognósticos económicos menos positivos.

Estatísticas pouco dramáticas
Feito o balanço, conclui-se que o preço médio de venda dos automóveis a leilão se manteve praticamente inalterado face ao ano anterior, cifrando-se nos 426.000€. O volume total de vendas desceu 2,9% face ao ano anterior, ficando nos 350 milhões de euros. A percentagem de automóveis com valor de reserva acima de um milhão de dólares, efectivamente vendidos, caiu dos 63% para 50%, o que também se explica pelo excesso de oferta nesta fatia do mercado.

Entre falhanços e recordes
De entre as centenas de automóveis levados a leilão, houve, como já se percebeu, muitos que voltaram para casa dos seus compradores ao não atingirem o valor de reserva. Muitos outros, mesmo assim, foram vendidos abaixo da estimativa mínima em negociação posterior ao fecho do leilão.

Contudo, no meio de muitas desilusões, há que registar alguns casos de sucesso extraordinários. 

Reforçando a ideia de que os compradores de uma geração mais recente estão a puxar pelas cotações de desportivos modernos, há casos notáveis. Um deles foi o recorde absoluto do Ferrari F50 vendido por 4,92 milhões de euros. Uma subia expectável, mas que choca quando pensamos que, num outro leilão de Monterey alguém comprou o primeiro Porsche 935, único com as cores Martini Racing em mãos privadas, e gastou menos um milhão de euros...

Surpresa causou também o resultado do Lamborghini Murcielado LP640 Roadster manual por 1,2 milhões de euros, assim como um LM002 por 628.000 euros (praticamente o dobro do recorde anterior), ambos bem acima da estimativa mais alta. 

O mesmo sucedeu com um Ferrari 430 Scuderia com 796 milhas, vendido por 427.000 euros, quando a estimativa máxima era de 340.000.

Entre os modelos dos anos 80, causou surpresa o valor de 496.000 euros atingido por um Porsche 911 Turbo Targa Slantnose, com apenas 12.000km, mas uma especificação de gosto muito discutível. O mesmo sucedeu com um Ferrari Testarossa que apenas conta os quilómetros com que foi entregue, já que alguém pagou 406.000 euros para continuar a vê-lo parado...

Entretanto, na “primeira liga”

Se é verdade que houve vários resultados fracos em automóveis de topo, houve, no entanto, aqueles que escaparam à onda negativa. É exemplo um Ferrari Daytona com rodas Borrani, que tem a particularidade de ser o protótipo da versão para o mercado americano. O exemplar atingiu os 751.000 euros, bem acima dos 670.000 marcados como estimativa máxima. 

O Ferrari 410 Sport Spider Scaglietti pilotado na época por Carrol Shelby, atingiu os 11,6 milhões. Um resultado de acordo com as estimativas mas, ainda assim, nove milhões abaixo do valor pelo qual foi adquirido na “febre” de 2014!
Também dentro da estimativa, ficou um exemplar excepcional: o primeiro Ferrari 250 GT California Spyder SWB fabricado, que tinha como extra o motor com especificação “Competizione” e que, justamente, atingiu os 15.2 milhões de euros, tornando-se a venda mais alta de toda a Monterey Car Week.

Vale a pena referir ainda duas surpresas do leilão da Mecum: o valor recorde de três milhões de euros alcançado por um exuberante Dodge Hemi Daytona (1 de 22 exemplares), ou seja, 50% acima da estimativa máxima.

Nota especial para o automóvel mais caro vendido nesse mesmo leilão, devido à sua história com veia portuguesa. O Ford GT40 leiloado pela Mecum é um de apenas dez Lightweight produzidos, vendido originalmente com o motor de preparação Gurney-Weslake de 440cv. Mantém ainda o motor, caixa, chassis e carroçaria originais, o que lhe permitiu atingir os 7,1 milhões de euros.

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