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O que é um clássico?

É uma pergunta tão pertinente quanto irritante, dependendo do contexto. Eis a tentativa de uma resposta definitiva.
Hugo Reis
20 de nov. de 2025

É uma discussão que chega a ser cansativa. Está em todos as redes sociais e repete-se incessantemente. Gera discussões, “sentenças” e desavenças. No fim, termina muitas vezes com o habitual “para mim não é um clássico!”

A verdade é que o conceito de clássico pressupõe uma boa dose de subjectividade, mas há alguns parâmetros que, sem grande margem para dúvidas, podem ajudar a definir o que é um veículo clássico. 

Contudo, antes de aí chegarmos, importa tirar da equação e distinguir desde já, o conceito de histórico. 

VEÍCULO HISTÓRICO VS VEÍCULO CLÁSSICO
A confusão e a mistura das expressões é constante, mesmo entre entusiastas conhecedores. No entanto, é importante ter presente a diferença entre estes dois conceitos.

Ao contrário de um clássico, um automóvel histórico tem de ser antigo. Segundo a FIVA – Federação Internacional dos Veículos Antigos, o estatuto é definido por critérios objectivos, desde logo, a idade, superior a 30 anos (e não 25 como muitas vezes é erradamente repetido) . 

Aqui sim, a idade é um facto incontornável. Depois, a condição em que se apresenta, nomeadamente:

Classe 1
Autênticos: veículos que se encontram tal como foram produzidos, com sinais do tempo mas com o máximo possível de componentes originais à excepção das peças de desgaste

Classe 2

Originais: ou seja, nunca restaurados. Que independentemente de alguma degradação, não tenham sido mexidos à excepção de pintura, acabamentos exteriores ou estofos que possam ter sido refeitos. Todos os componentes originais substituídos por similares da mesma época.

Classe 3
Restaurados: exemplares que tenham sido alvo de intervenções profundas (desmontados e montados), eventualmente com componentes e acabamentos modernos que reproduzam os originais, mas sempre com o máximo de fidelidade possível.

Classe 4
Reconstruídos: que na sua recuperação tenham recebido componentes de veículos similares ou novos, de acordo com as especificações da época. São exemplo disso os blocos de motor ou as carroçarias.

Os veículos que cumpram um destes critérios, são passíveis de certificação como Veículos de Interesse Histórico, pelas entidades competentes.

O QUE É PRECISO, AFINAL, PARA SER CLÁSSICO?
O termo “clássico” não é despropositado para qualificar um automóvel, contudo é um conceito bastante vago e muito abrangente.

Um clássico não é, necessariamente um automóvel antigo. A própria PALAVRA “clássico”, entende algo que é marcante, historicamente relevante, carismático. 

É, portanto, aplicável até mesmo a modelos recentes, cuja relevância histórica ou cultural seja inegável. Mas como se define essa relevância? É isso que vamos tentar balizar, identificando alguns critérios, apresentados sem qualquer hierarquia. Nenhum deles, isoladamente, qualifica um veículo como clássico, mas cada um é um factor a contabilizar.

Exclusividade
A não confundir com raridade! Por vezes, alguns automóveis são raros porque ninguém os quer. E para não os quererem, não basta que sejam maus. É preciso que a isso se some a falta de carisma. Pensemos, por exemplo, num Kia Rio da primeira geração. O modelo ainda não completou sequer 30 anos e poucos exemplares restam, porque eram muito fracos e não geram qualquer emoção, nem tiveram impacto social. 

Outra coisa bem diferente são os automóveis produzidos durante curtos períodos de tempo ou mesmo em séries limitadas. Modelos em que a procura é maior do que a oferta. 
Normalmente, estes são modelos que já eram desejáveis quando eram novos e a passagem do tempo, só aumenta o apelo.

Naturalmente, a grande maioria dos automóveis exóticos que são produzidos com os coleccionadores como alvo, são quase automaticamente clássicos, pois quer isso nos agrade ou não, é garantido que vão ter sempre uma procura maior do que a oferta e gerar um determinado fascínio num determinado público. Infelizmente, essa realidade leva alguns fabricantes a uma lógica de especulação, com incontáveis séries limitadas com preços quase ilimitados, mas enquanto o mercado permite e absorve...

Fabricante relevante
Tal como acontece com as pessoas, em que o nome de família abre portas, há automóveis cuja relevância se deve, sobretudo, à marca. 

Quantos desejariam ter um Facelia, se o fabricante não fosse a Facel Vega? E será que, apesar de algumas inegáveis qualidades, um 33 teria procura se não fosse Alfa Romeo? E por alguma coisa um Kia Elan não tem o mesmo “cachet” que um Lotus Elan M100, apesar de se tratar do mesmo automóvel.

Mas se este factor só é garantia do estatuto de clássicos, quando a marca é verdadeiramente especial e nesse caso permite até que alguns modelos sejam clássicos desde o primeiro dia. É impossível dizer que qualquer modelo saído das fábricas da Ferrari, Bugatti, Pagani ou Morgan, não é automaticamente um automóvel coleccionável.

O exemplo mais extremo, será o Aston Martin Cygnet, que já é procurado por coleccionadores, apesar de não ser mais do que um Toyota IQ em traje de cerimónia.

“Pedigree” desportivo 

Qualquer modelo que tenha atingido sucesso ou popularidade no desporto automóvel, seja qual for a modalidade, tem garantida a sua relevância enquanto clássico, mesmo que por alguma razão nem seja especialmente agradável de usar na estrada. 

Por essa razão é que o Mitsubishi Lancer Evolution começou a ser visto como um clássico desejável, muito antes dos 30 anos, apesar de ser apenas uma derivação muito especial de um aborrecido familiar. 
É também por causa do currículo desportivo que um Datsun 1200 vale facilmente o dobro do seu rival directo, o Toyota Corolla KE20.

Design marcante
Um entusiasta consegue ver beleza até num Lancer Evolution, por saber o que está por baixo da pele, mas por muito insensíveis que sejamos, há que admitir que a estética é um factor determinante na paixão gerada por um dado modelo. Há automóveis cujo grande trunfo é a beleza das linhas, mesmo que debaixo da pele não haja nada de extraordinário. 

Um Fiat Ritmo da primeira série, por exemplo, não era muito mais do que um 128 com uma carroçaria moderna e um design totalmente irreverente. É por isso muito mais relevante do que o seu aborrecido restyling.

Outro bom exemplo é o Mercedes-Benz 190 SL, um modelo cuja “raison d’être” é tão somente a evocação da estética de um ícone maior, o 300 SL. Não é um automóvel particularmente interessante de conduzir, não é rápido, não é muito sofisticado, mas nada disso importa quando o desenho tem tanto impacto e elegância.

O SL não é caso isolado. Sendo muito menos interessante de conduzir do que um Amazon ou mesmo um PV (Marreco), o Volvo P1800 poderia ser uma mera nota de rodapé na história da marca, se não fosse pela beleza... e pelo factor seguinte.

Relevância cultural e histórica
A participação numa série de televisão de grande sucesso, como foi o caso de “O Santo”, é uma via rápida para um modelo atingir relevância cultural. O caminho mais longo é a popularidade “orgânica”. Um Renault 4, por exemplo, nada tinha de cativante ou inovador, mas por ser um automóvel prático e barato, tornou-se um ubíquo e conquistou a simpatia pelo carácter espartano, pela robustez, por ser um símbolo de autonomia para tantos europeus e não só. 

Não é potente, não é bonito, não é exclusivo, não tinha nenhuma grande inovação para lá da quinta porta, mas não há no mundo quem não saiba o que é um Renault 4.

Se um dado automóvel, mesmo que desinteressante, vê o seu destino cruzado com um evento histórico importante, também aí garante o seu estatuto de clássico. É o caso do Trabant, um automóvel de péssima qualidade, mas que representou o veículo de liberdade para os alemães de Leste, que logo após a queda do muro de Berlim, quiseram partir à descoberta de novos horizontes.

Há ainda um outro caminho para o estatuto de clássico, mais raro, estranho e indesejável, que é o da chacota. Há um exemplo óbvio, talvez o único que me ocorre: o Morris Marina. Sendo um automóvel de estética consensual e de preço convidativo, teve um grande sucesso comercial, mas a qualidade de construção e de engenharia, devido ao controlo de custos, eram péssimos. A história do atribulado desenvolvimento e a falta de fiabilidade, fizeram dele alvo habitual de piadas e, com isso, adquiriu uma inesperada relevância cultural. Hoje, numa utilização esporádica enquanto automóvel antigo, os problemas de construção e fiabilidade não são relevantes, e a polémica só aumenta o interesse.

Pessoalmente, confesso que sempre que vejo um Marina na estrada, fico feliz. E se for um 1.5d, que praticamente só foi vendido em Portugal, ainda mais. Quanto pior, melhor...

Técnica e engenharia marcantes
Qualquer automóvel que introduza um importante avanço tecnológico, especialmente um que se tenha generalizado posteriormente, tem um interesse como objecto histórico e, por norma, isso significa que é bom na sua função. 

Mas não tem, necessariamente, de ser pioneiro. Um modelo que reúna vários aspectos avançados para a sua época. Por exemplo, um Alfa Romeo Giulia 105, reunia virtudes como o motor de dupla árvore de cames com travões de disco às quatro rodas já em 1964, o que não era comum. E em 1965, juntava a isso uma caixa de cinco velocidades. 

É escusado dizer porque é um um Citroën DS é um dos clássicos mais venerados de todos os tempos, assim como o seu antecessor, o TA, pelo mérito de ter democratizado a tracção, quando a propulsão era a regra. O mesmo se pode dizer do Fiat 128 por ter consolidado o formato.
Também Audi Quattro significou uma viragem no panorama automóvel por razões evidentes. 

Avanços tecnológicos são marcos históricos e isso é o que se deseja num clássico.

Adequação à função
Um dos clássicos mais óbvios de sempre e ainda dos mais desejados, é o MGB. No seu tempo, já não era tecnicamente avançado, não era especialmente rápido, o desenho não era transcendente e não era sequer uma opção muito competitiva no desporto. Dito isto, cumpria a sua função de forma extraordinária. Proporcionava prazer de condução, sem grandes custos de manutenção, com robustez e simplicidade. Ainda hoje esses são argumentos válidos quando comparados com outras opções da época. Basta isso.

Da mesma forma, um Mercedes-Benz W123, era um familiar com níveis de conforto e fiabilidade muito acima do segmento, pelo que apesar de ser tudo menos exclusivo, continua a ter uma legião de seguidores.

Noutro contexto, um Lotus Seven não serve para muito mais do que uma condução entusiástica em condições que nem sempre se reúnem, mas naquilo que foi concebido para fazer, é exímio. 

É também por isto que qualquer MX-5 é um clássico, mesmo os que estão a sair hoje do stand, pois não só pertencem a uma linhagem extraordinária, como são fiéis aos princípios do original.

Qualquer modelo que esteja entre os melhores a desempenhar a função para que foi criado, tem garantido o estatuto de clássico.

Conclusão
Muitos dos automóveis que são “clássicos de eleição”, reúnem mais do que um destes factores e quanto mais soma, maior é a sua procura e cotação. No entanto, basta que se destaquem num deles para merecer o estatuto de clássico, tenham eles mais ou menos de 30 anos. Porque se alguns destes parâmetros precisam de tempo para serem validados, outros são verificáveis quase no imediato. 

Assim, talvez seja tempo de voltar a olhar para todos aqueles modelos que disse com muita certeza que nunca seria poderiam ser considerados clássicos, e pensar duas vezes. Quem sabe se não está a passar ao lado de uma boa compra?