Texto e fotos: Thierry Lesparre
Franz Hummel, cuja reputação como organizador é bem reconhecida, reuniu todos os ingredientes para fazer esta primeira edição dos “Grandes Heures Automobiles” um sucesso: um circuito repleto de história, contou com um encontro de carros de rali do Grupo B, desportivos, GT e pré-guerra, motos e ainda vários ex-pilotos de automóveis e motos. Estiveram assim criadas todas as condições celebrar o automobilismo e reunir um númeroso público no anel de Monthléry. Até a meteorologia contribuiu para o espectáculo, tendo o evento beneficiado de um clima perfeito
Os mais velhos recordar-se-ão da passagem dos monstros do Grupo B por Monthléry há muitos anos, aquando da primeira edição da corrida dos campeões em 1988, evento que que desde então se tornou uma instituição. Na época, estes carros circularam numa pista de terra montada no meio da oval. No “Grandes Heures Automobiles” carros do Grupo B, assim como os de outras classes, usaram o anel principal mas também a pista de testes, numa configuração de traçado estrada neste evento. Este formato de pista permitiu concentrar a acção numa zona mais visível para o público e diminuir o tempo morto entre passagens.
O conjunto de carros mais esperado era o que incluia os populares modelos de Grupo B e o público não saíria desapontado. Estavam programadas três sessões de demonstração, incluindo uma nocturna. Presentes estiveram nada menos do que três Peugeot 205 Turbo 16, um Lancia Delta S4, um Lancia Rally 037, o Renault 5 Maxi Turbo, dois Opel Manta 400, um Audi Quattro S2, um Ferrari 308 Michelotto e o famoso BMW M1 usado por Bernard Beguin em ralis.
Pude viver por dentro a emoção de rodar nestes carros, por iniciativa de Jean-Christian Duby, que me convidou a ocupar o lugar do lado do seu 205 Turbo 16 Evo1. Este chassis pode ser considerado o avô dos T16, já que se trata do mesmo usado por Jean-Pierre Nicolas na estreia do modelo em Outubro de 1983 durante o troféu Jean-François Piot.
São 20 horas e o sol já se põe sobre o Autódromo. Em poucos minutos os Grupo B entram em pista. Estão todos alinhados na grelha quando me instalo no 205 T16. É uma emoção ocupar este lugar. A ajudar-me com os cintos está Picquenot Maurice. Ex-funcionário da Peugeot Talbot Sport (PTS), Maurice conhece os T16 como as suas mãos, o que não é de estranhar, já que ele foi o responsável pela equipa de assistência de Timo Salonen no ano em que este foi campeão do mundo.
O comissário dá ordem para colocar em marcha os motores e Duby inicia o processo: ligadas as bombas de combustível, é accionado o injector auxiliar para arranque a frio e o starter é pressionado. O som do motor ecoa na carroçaria sem filtros de insonorização e o meu corpo vibra com a ressonância e também com a emoção. Finalmente arrancamos atrás do Safety Car. A pista está já envolta em total escuridão à excepção da recta principal, bem iluminada. O terraço sobre o pit-lane está repleto de espectadores que se inclinam para apreciar a passagem dos Grupo B e eu sinto-me muito privilegiado. A liderar o pelotão vai Bruno Saby, ao volante de um outro 205 T16, neste caso um Evo2. Entre o líder e o nosso carro segue Ugo Canavese que se estreia aos comandos do Delta S4. Perseguir ambos é um espectáculo inebriante, com o constante “fogo de artifício” emitido pelos escapes dos dois carros a iluminar as traseiras, acompanhado pelo som demoníaco dos motores ultra-potentes. A cada nova travagem, a frente do 205 parece lamber as chamas libertadas pelo Lancia. As emoções são fortes ainda antes do Safety Car abandonar a pista. Noto o ar concentrado do piloto assim que se prepara para o momento em que a pista fica desimpedida. A tensão é crescente e assim que o terreno fica livre os três carros iniciam uma sinfonia intimidante de assobios, roncos e estrondos. A partir das 4000rpm o som do Peugeot é dominado pelo sopro do enorme turbo. A pressão nas costas que se sente à medida os quase 500cv empurram 950kg de massa, é impressionante. As emoções já estão ao rubro quando à quarta volta uma sonora explosão – bem maior que as produzidas pelas passagens de caixa – ilumina o interior do habitáculo. Há um cheiro a queimado. Olho para trás e vejo chamas e noto que o compartimento do motor já se enche de fumo que chega até nós… O Jean-Christian começa a baixar o ritmo e a levar o carro para a berma enquanto acompanha os acontecimentos pelo retrovisor com a calma própria de quem já tem muitos anos de competição. Com o carro ainda a abrandar começamos a soltar os cintos e iniciamos a saída do carro com ele ainda em movimento. Os comissários chegam depressa e apagam o fogo de imediato. Mais tarde confirmamos que a avaria teve origem no turbo.
A experiência terminou bem mais cedo do que o esperado e somos rebocados calmamente até ao paddock. À mente ocorrem-me as palavras de Bruno Saby acerca dos Grupo B, em conversa tida antes de arrancarmos: “Reflectindo agora sobre aqueles tempos, devo dizer que andávamos no limite da inconsciência, mas retirávamos muito prazer disso.”- Depois destas voltas. penso que, entendo melhor o que queria dizer.
No entretanto, o convite para repetir a experiência no próximo ano já foi feito por Jean-Christian Duby, que me prometeu uma sessão “menos dramática”.
0 Comentários