Os meus clássicos valem muito pouco dinheiro. Contudo, sempre que alguém alheado destas lides comenta um dos meus carros, atira sempre à conversa a velha pergunta: “Isto já vale um dinheirito, não?”. Quando respondo com um conformado, humilde e realista “Não…!” recebo sempre um olhar de espanto ou, mais comum ainda, de desilusão.
Para quem está nisto dos clássicos de corpo e alma, mesmo que tenha na garagem um Bentley ou um Ferrari, o valor de mercado é, na melhor das hipóteses, um consolo. É um número que nos diz que o dinheiro que vai escapando por debaixo da porta da garagem não está necessariamente perdido para sempre. Mesmo que não haja intenção de algum dia vender o nosso clássico ou alguém disposto a pagar o que ele vale.
Se gosta realmente do seu clássico e este lhe proporciona bons momentos, tanto faz se ele vale 500€ ou 500.000€. O que importa é o valor que tem para si. Por isso, se está a pensar em iniciar-se neste mundo ou em acrescentar um “brinquedo” à sua frota, pondere comprar um daqueles carros que não interessam a ninguém. Um modelo sem qualquer valor comercial mas que mereça ser preservado, seja pela sua raridade, por qualidades intrínsecas ou então… porque está barato.
Se os custos de manutenção de um clássico são impossíveis de evitar, pois que se corte ao menos no valor de compra. Todos os clássicos merecem uma oportunidade, mesmo quando até dados são caros.
Talbot Samba LS (1981-1986)
Porquê este modelo?
O Talbot Samba não é muito mais do que uma versão refinada do subvalorizado Peugeot 104. O que a maior parte das pessoas não sabe é que o 104 era, já de si, um segredo bem guardado. Confortável, prático e surpreendentemente moderno para um utilitário nascido em 1972. Fruto da aquisição pela PSA e de uma tentativa de criar um modelo rentável que pudesse salvar a empresa, o Samba teve como ponto de partida a versão de três portas do 104. Ao contrário do que é comum nos utilitários, as versões de três e cinco portas do Peugeot usavam versões diferentes do mesmo chassis, sendo a primeira bastante mais curta. Esteticamente, o resultado era interessante e os retoques estilísticos levados a cabo pela equipa de designers ingleses sediada em Coventry permitiram modernizar com sucesso a aparência. O significado histórico do Samba também justifica a sua preservação. Este foi o último Talbot a ser desenvolvido e também o que se manteve à venda até mais tarde. Um fim algo amargo para um nome com uma história grandiosa.
O que procurar?
O Samba é mais fácil de encontrar em Portugal nas duas versões mais básicas: o LS de 954cc e o GL de 1124cc. Ambas unidades bem reputadas e celebrizadas em modelos como o Citroën Visa e Peugeot 205 entre outros. Qualquer delas cumpre com o que se espera dum utilitário. Contudo, se prefere algo mais exclusivo, é possível adquirir um Samba Cabriolet por cerca de 3500€. Um valor que, apesar de baixo, estaria fora de contexto neste artigo. Os Samba “fechados” são cada vez mais raros devido à pouca procura e, os que restam, estão por vezes negligenciados. A falta de manutenção é precisamente a maior ameaça a estes carros devido a algumas das suas fragilidades mais famosas. A carroçaria é muito propensa à corrosão e a ferrugem pode aparecer quase em todos os locais. Os problemas habituais nos motores PSA são as juntas da culassa e o desgaste na árvore de cames. Ambos problemas potencialmente dispendiosos, mas simples de resolver graças à quantidade de peças disponível no mercado.
Para que serve?
O pequeno Talbot é excelente numa utilização citadina. Se a suspensão e o interior estiverem em condições, este velho anglo-francês é quase tão agradável como um automóvel actual e a agilidade e leveza dos comandos incentivam a uma utilização quotidiana.
Dado também é caro
Um apartamento novo no bairro da Bela Vista.
Alternativa
O Fiat Panda original está para as gerações mais jovens como o 500 esteve para os pais e a procura ainda não chegou para gerar valor comercial.
Talbot Samba
Motor: 4 cil. em linha; posição transversal dianteira; árvore de cames à cabeçacabeça; 954 cc; Carburador Solex; 45 cv às 4800 rpm; Transmissão: dianteira; 4 Vel. Man; Travões: à frente, de disco; atrás, de tambor. Com servofreio;Chassis: monobloco em aço de 3 portas e 4 lugares;Comprimento: 3506 mm; Distância entre eixos: 2340mm; Peso: 740 kg;Velocidade Máxima: 143 km/h
Utilização: 4
Manutenção: 4
Fiabilidade: 4
Valorização: 1
Lancia Delta 1.3 LX (1979-1994)
Porquê este modelo?
Quando se trata de justificar a compra de um carro a um preço muito baixo, todos os argumentos são válidos. Neste caso, pode sempre alegar o facto de este pertencer a uma das marcas mais influentes da história automóvel e ter um parentesco relativamente próximo com o herói dos ralis, o Integrale. Aqui entre nós, admitamos que o Delta sempre foi um carro fraquinho e nem mesmo as versões mais potentes são aconselháveis para quem aprecie fiabilidade ou qualidade de construção. Apesar disso, este Lancia foi um imenso sucesso por oferecer algum requinte, pinceladas de carácter desportivo e uma carroçaria prática e distinta desenhada por Giugiaro. Créditos que lhe valeram o galardão de Carro Europeu do Ano em 1980. Apesar disso, debaixo da bonita pelagem, vive um chassis muito semelhante ao do Fiat Ritmo que, por sua vez, é muito semelhante ao do Fiat 128. A sofisticação era, evidentemente, muito superficial. O comportamento era honesto, mas aquém dos padrões habituais de uma marca tão especial. O mercado acabou por lhe fazer justiça e hoje um Delta vale pouco mais do que uma sandes de queijo.
O que procurar
Qualquer das versões de base irá “saber a pouco” em termos de potência e consumir mais do que seria de prever. Assim sendo, a escolha entre um 1.3 e um 1.5 é mais uma questão de oportunidade. O motor de oito válvulas, com cabeça de alumínio, é alimentado por um carburador Weber, evitando complicações desnecessárias. Se mecanicamente tudo é simples, já a electrónica do Delta revela alguma personalidade, com o seu completo painel a pregar frequentes partidas e com todos os mecanismos de conforto (ventilação, vidros e tecto eléctricos) a registar avarias com alguma frequência. Questão que tende a ser minimizada com uma utilização assídua. Os plásticos e a construção do interior não são de grande qualidade, tornando os ruídos comuns. Os tecidos dos bancos são frágeis e difíceis de substituir, pelo que é aconselhável procurar um exemplar com um interior em bom estado. A carroçaria dos exemplares mais recentes é electro-zincada evitando as ferrugens habituais nos clássicos italianos.
Para que serve
Regra geral serve para doar órgãos a um Integrale ou HF Turbo. No entanto, este Lancia é espaçoso e confortável, podendo transportar uma família em comodidade. Não sendo entusiasmante, é um automóvel bonito e minimamente agradável de guiar.
Dado também é caro
Títulos de dívida pública grega
Alternativa
É possível que até lhe ofereçam um Alfa 33 1.3 “só para desocupar”. Se o Lancia tem um aspecto distinto, o Alfa 33 nem isso. Em compensação, o motor Boxer tem muita “alma”.
Lancia Delta 1.3 LX
Motor: 4 cil. em linha; posição transversal dianteira; árvore de cames à cabeça; 1301 cc; Carburador Solex; 74cv às 5800 rpm; Transmissão: dianteira; 4 Vel. Man; Travões: à frente, de disco; atrás, de tambor. Com servofreio;Chassis: monobloco em aço de 5 portas e 5 lugares;Comprimento: 3895mm; Distância entre eixos: 2474mm; Peso: 955 kg;Velocidade Máxima: 160 km/h
Utilização 4
Manutenção 3
Fiabilidade 3
Valorização 1
Citroën Visa 10E (1984-1988)
Porquê este modelo?
Se aprecia as qualidades que fizeram dos mais famosos Citroën um sucesso, o Visa é a pechincha certa para si. Em comum com modelos como o 2CV, o Dyane ou o Ami, o Visa tem um interior esquisito, um rolamento de carroçaria alarmante, um comportamento “pinchão” e uma estética que é tudo menos consensual. Nem vale a pena estar com rodeios: é feio e pronto. Mas basta pensar no seu antecessor, o Ami, e logo o Visa parece a Nicole Kidman dos automóveis. Por outro lado, o Visa reúne alguns dos aspectos mais positivos da marca francesa como o conforto, a fiabilidade e a economia. A plataforma é a mesma do Peugeot 104, neste caso, na versão de cinco portas. A estética é sempre um aspecto secundário num automóvel, excepto quando se trata de um clássico para estimar e, talvez por isso, os Visa passaram de populares a mal-amados. Valem aproximadamente mais 2€ que uma lata de 12 salsichas Frankfurt, mas são historicamente mais interessantes do que muitos produtos alemães. Quanto mais não seja pela linhagem.
O que procurar
À excepção das versões desportivas, qualquer dos Visa pode ser adquirido por um preço baixíssimo. Ainda assim, há muito por onde escolher, desde o Visa Club com o boxer bi-cilíndrico reminiscente dos seus antepassados, até ao 14 TRS. Para mercados como o português, em que o sistema fiscal beneficiava os motores abaixo de 1000 cc, a Citroën apostou no lançamento do 10E, uma versão semelhante ao 11E, com motor de 954cc (o mesmo do Samba). Como seria de esperar, esta depressa se tornaria a primeira escolha do mercado nacional. Hoje é ainda o modelo mais fácil de encontrar nos classificados. A chapa dos Visa é frágil, tornando-se difícil encontrar um exemplar sem ferrugem. A boa notícia é que os componentes de carroçaria ainda não são raros e são relativamente acessíveis. O 10E é um dos poucos modelos em que o forro dos assentos resiste bem à abrasão e à exposição solar. A parte eléctrica do Visa é muito simples e fiável.
Para que serve
O Visa pode não ter a mesma legião de seguidores de um 2CV ou um Dyane, mas é igualmente merecedor de respeito. É um modelo prático e confortável que ainda pode ser usado diariamente e é suficientemente estranho para merecer atenção num encontro de clássicos.
Dado também é caro
Acções do Novo Banco
Alternativa
Se tem pena de ver carros feios a desaparecer na prensa, salve um Fiat Ritmo dos primeiros. Já são raros e trocam de mãos a menos de 1000€.
Citroën Visa 10E
Motor: 4 cil. em linha; posição longitudinal dianteira; árvore de cames à cabeça;954 cc; Carburador; 45cv às 6000 rpm; Transmissão: dianteira; 4 Vel.; Travões: à frente, de disco; atrás, de disco. Com servofreio;Chassis: monobloco em aço de 5 portas e 5 lugares;Comprimento: 3691mm; Distância entre eixos: 2431mm; Peso: 800 kg;Velocidade Máxima: — km/h
Utilização 4
Manutenção: 4
Fiabilidade 4
Valorização 1
Renault Espace (1988-1991)
Porquê este modelo?
Adquirir um carro verdadeiramente pioneiro e marcante, por menos do que lhe custou a televisão da sala, é algo que não acontece todos os dias. O Renault Espace foi o primeiro monovolume a trazer verdadeiros benefícios nas suas formas compactas. O VW “Pão-de-forma” e o “Fiat 600 Multipla” chegaram primeiro, mas o seu único benefício inovador era a morte imediata e sem sofrimento em caso de embate frontal. Já o Renault oferecia um interior modular, uma habitabilidade impar, uma aerodinâmica eficiente e uma agilidade inesperada para um veículo da sua dimensão. O Espace foi uma ideia surgida no seio da Matra quando esta ainda pertencia ao Grupo Rootes. Essa origem explica a utilização de componentes Simca e a opção pela carroçaria em fibra sobre chassis galvanizado, solução que a Matra-Simca já usava nos seus modelos desportivos. Quando em 1978 o grupo PSA adquiriu a Simca e a Chrysler, analisou o projecto do Espace e considerou-o uma ideia “inviável e sem futuro”. Assim, devolveu-o à Matra que, sendo então uma empresa “solteira e disponível”, se amigou prontamente com a Renault. O resto, é história…
O que procurar
A Renault achou a ideia de tal forma interessante que quis apressar-se na sua produção e venda. Assim, o modelo lançado em 1984 montava maioritariamente componentes Simca. Em 1988 surgiu o modelo Phase II que embora fosse no essencial o mesmo carro, montava principalmente componentes da Renault, o que não só viria melhorar a qualidade geral, como beneficiaria o aspecto interior. A frente foi também ligeiramente redesenhada para adquirir o “ar de família”. Esta é a melhor versão do modelo original do Espace. Em qualquer das versões, a parte eléctrica é a mais propensa a problemas crónicos. A embraiagem e a junta da culassa são também dois pontos fracos. O chassis termo-galvanizado e os painéis em fibra, evitam corrosões. A pintura sofre normalmente de desgaste rápido. No geral é um modelo bastante fiável e só os componentes específicos (que não são peças de desgaste) podem ser mais caros.
Para que serve?
Tendo sido o primeiro de inúmeros monovolumes, o Espace mantém-se actual no conceito. É muito prático, sendo o clássico perfeito para famílias numerosas. Agora que já conta mais de 30 anos, o Espace pode vir a ser uma estrela nos encontros de clássicos.
Dado também é caro
Tem o mesmo formato do Espace mas exige estradas especiais e muito caras e indemnizações: o TGV de Sócrates.
Alternativa
Não se pode dizer que existam verdadeiras alternativas para o Espace neste patamar de preços. Com sete lugares, só mesmo uma Peugeot 504.
Renault Espace 2.0
Motor: 4 cil. em linha; posição transversal dianteira; árvore de cames à cabeça; 1995 cc; Injecção Renix; 120cv às 5500 rpm; Transmissão: dianteira; 5 Vel.; Travões: à frente, de disco; atrás, de disco. Com servofreio e ABS;Chassis: monobloco em aço de 5 portas e 7 lugares;Comprimento: 4366mm; Distância entre eixos: 2580mm; Peso: 1214 kg;Velocidade Máxima: 179 km/h
Utilização 4
Manutenção 3
Fiabilidade 4
Valorização 3
Mercedes 190E (1982-1993)
Porquê este modelo?
É difícil discordar de que a Mercedes ainda é um dos melhores construtores de automóveis do mundo. Praticamente não há Mercedes maus e o 190 é um daqueles mesmo bons. Ainda assim, pode comprar-se com um subsídio de férias ou menos. Graças à popularidade do modelo, à existência de uma versão 1.7 exclusiva para a fiscalidade nacional e a um sem-número de importações paralelas, há mais Mercedes 190 à venda do que maçãs. A omnipresença do 190 é uma confirmação das suas profundas qualidades. Com uma construção impecável, materiais incrivelmente robustos e motores simples e indestrutíveis, ainda é fácil adquirir bons exemplares mesmo que contem já muitos quilómetros. Destinado a representar a marca num segmento inferior em que antes não actuava, o 190 mantinha os padrões de qualidade e conforto da restante gama. Apesar de ter sido lançado há 29 anos, o W201 é ainda hoje um automóvel acolhedor, agradável e muito utilizável, o que o faz parecer demasiado jovem para ser visto como um clássico. Talvez por isso, a procura ainda não tenha começado a afectar os preços.
O que procurar
As versões diesel ainda são procuradas para utilização diária o que atira os preços para um nível algo exagerado. A versão exclusiva para Portugal de 1700cc tem muita falta de potência. O melhor é mesmo optar pelo original e fiável 2.0 de 122 cv. Além de mover o 190 com suficiente celeridade, este motor é incrivelmente fiável, sendo normal atingir o meio milhão de quilómetros sem falhas de maior. Os exemplares nacionais têm normalmente menor quilometragem, pelo que devem ser privilegiados. Toda a mecânica dos 190 é muito resistente e as peças são acessíveis. A elegante carroçaria, infelizmente, tem alguns pontos sensíveis onde a ferrugem pode surgir, como por exemplo, o chão da mala ou os pontos de fixação do macaco. O interior é muito resistente e bem construído e apenas os tecidos dos bancos costumam ceder. Tecidos iguais aos originais são ainda fáceis e económicos de adquirir.
Para que serve
Serve para dizer que tem um Mercedes, para ter um clássico sem chatices, para ser confundido com o primo taxista mas, sobretudo, para saber o que é um bom automóvel.
Dado também é caro
Umas férias na Líbia
Alternativa
Por pouco mais conseguirá comprar um BMW 520 E34. Não é tão perfeito, mas tem seis cilindros e uma bela voz.
Mercedes-Benz 190E 2.0
Motor: 4 cil. em linha; posição longitudinal dianteira; árvore de cames à cabeçacabeça; 1995 cc; Injecção Bosch; 122cv às 5100 rpm; Transmissão: traseira; 4 Vel.; Travões: à frente, de disco; atrás, de tambor. Com servofreio;Chassis: monobloco em aço de 4 portas e 5 lugares;Comprimento: 4420mm; Distância entre eixos: 2660mm; Peso: 1100 kg;Velocidade Máxima: 195 km/h
Utilização 4
Manutenção: 5
Fiabilidade 5
Valorização 2
0 Comentários