SAAB 96, um herói modesto.
Poucos serão os que hoje associam a Saab aos ralis. Mas foi ao volante dos primeiros modelos do construtor sueco que brilharam pilotos míticos como Erik Carlsson, Simo Lampinen ou Per Eklund.
A história da Saab nos ralis começa praticamente com o nascimento do 92, em 1949. Três semanas apenas após o lançamento deste modelo, o piloto de testes da marca, Rolf Mellde, estava de tal modo confiante no produto que ajudou a desenvolver, que inscreveu um exemplar num rali nacional de Inverno, vencendo-o. Nos anos seguintes ele e o norueguês Greta Molander participaram com os 92 em tudo o que era rali, desde o Monte Carlo aos mais pequenos eventos escandinavos, alternando resultados melhores e piores.
Apesar de ser fabricado por um construtor aeronáutico, o 92 não era nenhum “avião”. O seu pequeno motor bícilindrico a dois tempos com de 764cc, não debitava mais do que uns pobres 28 cavalos, transmitidos às rodas da frente por uma caixa de três velocidades. Na transmissão deste veículo residia, no entanto, um dos seus trunfos: o dispositivo de “roda-livre” que, cedo descobriram os pilotos, permitia reduzir sem recorrer à embraiagem. E assim se deram os primeiros passos na técnica da travagem com o pé esquerdo. Mas nem tudo era perfeito. A suspensão de barra de torção que contribuía para o espaçoso habitáculo que tanto agradava aos compradores, dava dores de cabeça aos pilotos nas curvas mais exigentes.
O 93 e uma verdadeira equipa de fábrica
Em 1955 via a luz o modelo 93. Esta radical evolução, abandonava a incómoda barra de torção a favor de molas helicoidais à frente e também atrás, onde um novo eixo traseiro em forma de “U” permitia que estas funcionassem independentes com os respectivos amortecedores. O motor era agora de três cilindros e arrefecido a água, subindo para os 33 cavalos de potência. A disposição passava a ser longitudinal, ao contrário do que acontecia no 92. Uma outra versão dirigida ao mercado norte-americano com o nome GT 750, foi introduzida em 58 oferecendo 45 cavalos.
A chegada do 93 foi uma revelação para os pilotos escandinavos que se lançaram numa ofensiva ao campeonato europeu, bem suportados pelo construtor que não poupava esforços no desenvolvimento do carro. Numa versão de 62 cavalos, Erik Carlsson marcava incontornavelmente o Campeonato de 59. Quando chegou ao Rali de Portugal, Carlsson estava à frente de Paul Coltelonni na luta pelo título. Bastava-lhe terminar no quarto lugar para garantir a vitória. O Saab terminou em segundo. Mas então surgiu uma penalização de 50 segundos por não ter o número de inscrição de acordo com os regulamentos, que exigiam caracteres pretos sobre fundo branco. Como era vermelho, o Saab exibia números brancos na sua porta. Mas como esta sanção não era suficiente para atirar Carlsson para a quinta posição, eis que surge uma nova penalização atribuída…à outra porta. Um episódio que ficava para história como um dos mais polémicos de sempre.
Um protótipo irreverente e uma carrinha competitiva.
Entretanto, a Saab testou soluções para desenvolver ainda mais o 93, como o protótipo que tinha dois motores montados paralelamente, formando uma unidade motriz de 6 cilindros e mais de 100 cavalos. No entanto, este nunca viria a competir. Lançado em 1961, o Saab 95 era na realidade uma carrinha com base no 93. Mas tinha duas características que o tornavam superior: a caixa de quatro velocidades e o motor de 850cc. Daí que Carlsson tenha escolhido este “familiar” para participar no Monte Carlo desse ano, terminado em 4º atrás dos três Panhard PL 17.
O verdadeiro tomba-gigantes
O verdadeiro sucessor do 93, o modelo 96, já possuía estas características. E foi com este modelo que Carlsson gravou, definitivamente, o seu nome e o da Saab, na história do desporto automóvel. Três victórias no RAC, duas em Monte-Carlo, dois segundos lugares no Liège-Sofia-Liège, um segundo lugar no Coupe dês Alpes e mais um no Safari, representavam um percurso de glória digno de uma lenda. Neste último rali deu-se um dos episódios mais divertidos da história do 96, quando para retirar o seu carro de uma poça de lama, Carlsson e o seu navegador rolaram o carro sobre o seu tejadilho e de novo sobre as rodas, de modo a “aterrar” em solo firme. Ao chegarem à meta no segundo lugar, foi com contentamento e irreverência que repetiram a manobra em frente ao pódio, apenas para demonstrar como tinha sido antes.
Durante o período de maior sucesso do 96, o carro foi continuamente desenvolvido. Com a saída do modelo GT 850, o Saab passava agora a usufruir de um carburador triplo e travões de disco à frente. Estes melhoramentos elevaram claramente o seu nível competitivo e, o então jovem, Simo Lampinen tirava o melhor proveito do potencial do carro vencendo várias vezes consecutivas o Rali dos 1000 Lagos.
No entanto, por esta altura, a competição subia de tom e a concorrência tornava a questão da potência mais significativa. O chassis e a suspensão do Saab ainda eram das melhores, mas havia já muito pouco espaço de manobra para o motor a 2 tempos.
A chegada do V4 Ford
O último episódio da saga 96 teve um início, no mínimo, insólito. Em meados da década de 60, a Ford preparava o lançamento do seu novo modelo, o Cardinal. Para desenvolver e testar na estrada o V4 que viria a equipar o seu novo carro, a marca americana adquiriu vários exemplares do 96, nos quais montou os seus motores. Assim os testes de estrada decorriam na maior discrição. Foi desta forma quase acidental, que a Saab escolheu o motor que catapultaria de novo o 96 para os pódios. Na fase mais avançada de desenvolvimento, o V4 atingia uns respeitáveis 170 cavalos. Ake Andersson ganhou na estreia do motor 1500, no rali da Finlândia de 67 e Lampinen conquistava segundos lugares na Suécia e nos 1000 Lagos e a primeira vitória de relevo, o RAC de 68. Simo Lampinen elegeria este como um dos seus carros de rali favoritos de todos os tempos. Uma das vantagens que o piloto apreciava no Saab, era a robustez e segurança que oferecia durante os frequentes capotamentos que proporcionava. Simo dizia que no 96, quando sentia que estava prestes a capotar, a melhor técnica era acelerar a fundo e esperar que o carro rodasse 180 ou 360 graus, o que normalmente acontecia graças à forma redonda do tejadilho.
Dai em diante mudavam as estrelas, mas continuava o brilho da Saab, com os jovens pilotos Stig Blomqvist e Per Eklund a dominar totalmente os Ralis dos 1000 Lagos, Suécia e RAC durante toda a primeira metade da década de 70. No 96 V4, o peso do motor sobre a frente fazia-se notar e a troca de suspensões durante os ralis era agora uma rotina. Também a caixa de velocidades era um calcanhar de Aquiles deste carro, que terminou a sua carreira para dar vez ao modelo 99, que não teve o mesmo sucesso.
Depois do 99, a Saab não mais viria a envolver-se oficialmente nos ralis até ao final da empresa, mas terminava assim um episódio memorável do desporto automóvel, ao vencer quase tudo o que havia para vencer, com carros teoricamente mais fracos do que qualquer concorrente.
Um exemplar bem especial
Por uma feliz coincidência, o exemplar do anúncio é do ano em que Carlsson venceu o Monte Carlo pela primeira vez com o 96.
Um pormenor que entusiasmará os entusiastas dos ralis, são os autógrafos de Erik Carlsson e Per Eklund do lado de dentro do capot.
Numa combinação de cores muito feliz, e num estado de conservação invulgar, representa uma oportunidade rara para coleccionadores de modelos de rali, fãs da Saab ou, simplesmente, apreciadores de um design extraordinário.