Como passar a paixão às novas gerações?
Em conversas de entusiastas, já se tornou comum ouvir dizer “Os miúdos, hoje em dia, não querem saber de automóveis”. Pessoalmente, discordo. Fenómenos culturais como o Top Gear, jogos como o "Gran Turismo", filmes como "Velocidade Furiosa" (goste-se ou não) e as redes sociais, em particular o YouTube, garantem que a cultura automóvel chegue hoje a muito mais gente do que no passado. E o facto de eventos como a Retromobile ou encontros de supercarros estarem cheios de adolescentes de telemóvel em punho, há-de querer dizer alguma coisa.
Assim, aquilo que alguns entusiastas estão pensar, na verdade, é: “Os meus filhos não querem saber disto para nada”. Porque, de facto, não é garantido que se consiga passar este fascínio para a descendência.
O que mudou nas novas gerações? Será que foi o próprio automóvel a mudar? Ou terá sido o mundo?
Na realidade, é um pouco de tudo. O mundo e a noção de liberdade, estão cada vez menos associados à condução de um automóvel. Hoje um adolescente sente que já viu o mundo sem sequer sair de casa, o que não deixa de ser um pouco verdade. Mas falta o prazer de descer o vidro e sentir o vento na cara. A descoberta do imprevisto. Os cheiros e as sensações.
Sim, os automóveis do dia-a-dia podem ter perdido um pouco a magia para nós, que temos referências do passado, mas continua a haver automóveis apaixonantes, não necessariamente inalcançáveis.
Então qual a receita para poder passar a nossa paixão à próxima geração? Eis algumas dicas:
Não impôr
Todos sabemos que há uma fase na vida em que tudo que nos é imposto é liminarmente rejeitado e, depois, é mais difícil voltar atrás. Deixe que os seus filhos e netos convivam com os veículos antigos, mas não faça disso o centro de cada momento. Se vai a algum lado com o seu filho ou neto, vá no automóvel antigo, mas faça-o naturalmente. Deixe que os amigos deles vejam o seu clássico e espere que a reacção destes faça o seu trabalho. Não raras vezes, quando crescemos habituados a conviver com um objecto especial, é preciso que seja alguém de fora a mostrar-nos o quão especial ele é. O resto, virá naturalmente, quando o seu descendente perceber o reconhecimento dos outros.
Não privar
O excesso de zelo na preservação do seu clássico, pode levá-lo a ser muito restritivo na forma como o seu filho ou neto usufrui dele. Pôr os pés nos bancos é desagradável, sim. Mas muito pior do que isso, é o seu descendente não querer pôr os pés dentro do clássico. Deixar o seu filho recém-encartado riscar o seu objecto de estimação num estacionamento, pode ser doloroso, mas mais doloroso será se ele se recusar a conduzir um clássico.
Faça sentir que o automóvel é um objecto da família e que cada um é responsável pelos seus actos. Dê a entender a afeição que tem pelo veículo, mas não deixe que isso prive os outros de usufruir. A confiança reforça laços entre gerações.
Criar memórias
Não fique à espera que sejam os seus familiares mais novos a pedir para andar ou usar o clássico. Use-o com o máximo de frequência. Passeiem com ele, arrisque uma avaria em qualquer lado, uma história para contar, que passa a ser uma memória comum. Viajem de automóvel antigo. Festejem aniversários, façam piqueniques, tirem fotos juntos com o seu clássico. Só as memórias dão valor sentimental a um veículo. Sem elas, todos são um conjunto mais ou menos genial de peças. Apenas máquinas. Com memórias, são um pedaço de nós que não morre e um elo de ligação entre gerações.
Participar em eventos
Não diga ao seu filho que vai ter de o acompanhar a um evento de automóveis, se não sentir que isso é a vontade dele. Diga-lhe que vão apenas encontrar-se com amigos. Ao chegar ao destino, então ele perceberá que os amigos partilham a mesma paixão, mas que o importante é o lado humano. Faça-o entender que um clube é uma comunidade, uma espécie de família.
Se os filhos de uns e de outros criarem laços dentro do ambiente dos automóveis antigos, facilmente perceberão o fascínio. E se viverem a sensação de aventura de que é navegar por um road-book, disputar um concurso de elegância ou uma prova de perícia, talvez percebam que um automóvel antigo não é apenas um objecto, mas um meio para descobrir uma infinidade de sensações que só nós conhecemos.